O futuro da energia nuclear no Brasil

Superar a ficção

POR NOSSA OPINIÃO

 

Devido ao longo período de maturação das obras, o setor elétrico tem de ser planejado com muito tempo de antecedência. Mas quando há uma conjuntura de crise, como a atual, a presteza no planejamento se torna ainda mais necessária. E, nos estudos e discussões sobre como precisará ser a matriz energética daqui a dez anos ou mais, volta com força a questão das usinas nucleares.

As alterações climáticas das quais resultam longa seca no Nordeste e, principalmente, uma estiagem severa no Sudeste, com o agravamento do risco de racionamentos, aumentam a responsabilidade de governos, técnicos e sociedade no processo de decisão sobre o que fazer daqui para frente. Um mito está caindo: o Brasil “país das águas”. Não é bem assim, vê-se. Como a estiagem atingiu a região mais populosa do país, o esvaziamento de reservatórios de usinas e de sistemas de abastecimento de cidades tem de ser entendido como alerta para a gravidade do assunto.

No que se refere ao setor elétrico, aumentou sua dependência do parque de termelétricas, criado a partir de 2001 e 2002, para evitar apagões causados, à época, pela falta de chuvas, além de atrasos em investimentos. Mas o que era para ser um sistema de reserva, tem sido acionado 24 horas por dia. Decorrem conhecidos impactos tarifários — a gás ou óleo, as usinas têm custo operacional maior que as hidrelétricas. Bem como custos ambientais.

O Brasil tem cerca de 40% da sua energia produzidos de fonte renovável. Índice elevado, mas difícil de manter, porque a construção de hidrelétricas esbarra em regulações preservacionistas na Região Norte, e, no resto do país, esgotam-se as alternativas de locais para novas usinas.

Como não é inteligente optar pelo aumento da dependência de termelétricas à base de combustíveis fósseis — por questões ambientais, preço e garantia de abastecimento —, restam as fontes alternativas (eólica, solar) e a nuclear. É indiscutível que o uso de energia de origem solar e eólica precisa aumentar. Mas o risco está em projetar a oferta de energia das próximas décadas apenas com base no sol e ventos. Esse tipo de geração tende a ser subsidiário no mundo.

Dentro desse cenário, ao se projetar décadas à frente, é impossível deixar de considerar a necessidade de instalação de novas usinas nucleares. Em que pese o acidente de Fukushima, no Japão, do qual foram retirados muitos ensinamentos para tornar os reatores ainda mais seguros.

As duas usinas nucleares (Angra I e II) respondem por apenas 1,3% da energia gerada no país. Estudo da FGV indicou que seriam necessárias mais 18 unidades, de 1 mil MW cada, até 2040. Constam do planejamento do setor quatro para o Nordeste, mas o lobby antinuclear mantém os projetos na gaveta. Cada usina leva dez anos desde a aprovação até produzir o primeiro quilowatt. O país, portanto, começa a se atrasar em decisões que ampliem a oferta de energia da melhor forma possível, com a melhor relação custo-benefício, que é por meio de termonucleares. O resto é ficção.

 

Lições de Fukushima

POR OUTRA OPINIÃO / THIAGO ALMEIDA

 

A energia nuclear é “limpa” até que um acidente espalhe suas catastróficas consequências. O Brasil arrisca seu bioma e sua gente, quando temos sol e vento para gerar energia sem impacto.

Há quatro anos o pequeno município de Okuma, no Japão, ganhou destaque mundial quando quatro dos seis reatores da usina nuclear de Fukushima derreteram após um terremoto e uma tsunami. Até hoje mais de 400 toneladas de água contaminada vazam diariamente para o oceano, como mostrou estudo do Greenpeace e foi admitido pelo governo japonês. Isso resultou em graves impactos ambientais e sociais à região, a seus moradores e ao país. Atualmente 120 mil refugiados ainda vivem em abrigos.

O maior desastre nuclear desde Chernobyl deve servir de lição. Países como a Alemanha divulgaram planos pós-Fukushima, eliminando gradualmente a energia nuclear de suas matrizes. Como pode a Alemanha — com tão pouca incidência de sol — ser campeã mundial em geração de energia solar, enquanto o Brasil investe de forma ínfima no setor? Seguimos o caminho do retrocesso apostando na energia nuclear (e ainda correndo o risco de apagão), mesmo com uma das melhores irradiações solares do mundo e ventos constantes, que produziriam as chamadas novas energias renováveis.

As usinas nucleares de Angra 1 e Angra 2 custaram mais de US$ 12 bilhões e têm capacidade instalada de 2 GW, o equivalente a menos de 2% de todo o parque gerador brasileiro. Com o mesmo valor hoje seria possível construir 10 GW de energia eólica, por exemplo. Outra obra bilionária, e ainda incompleta, é Angra 3. Prometida para 2012, seu custo passou de R$ 7 bilhões para R$ 14,9 bilhões e sua entrega está prevista para 2018.

Angra 1 e Angra 2 correm o risco de ser desligadas porque seus depósitos temporários estão quase saturados de lixo radioativo. Não há no mundo lugar de armazenamento permanente para esse fim. E o custo? Para resolver a destinação desses dejetos atômicos, mais de R$1 bilhão do nosso dinheiro terá que ser desembolsado.

O Japão é o segundo maior mercado para energia solar do mundo, com planos de instalar 12 GW da fonte em 2015. Para se ter uma ideia do atraso brasileiro, de acordo com a última versão do Plano Decenal de Energia, prevê-se que o Brasil tenha apenas 3,5 GW de solar instalados até 2023.

 

Insistimos em fontes de alto grau de impacto social e ambiental mesmo com capacidade de gerar energia eólica e solar suficiente para abastecer todo o país. Além de gerar eletricidade, talvez o sol pudesse iluminar a visão obtusa dos responsáveis, de modo a criar condições mais favoráveis, tanto de mercado quanto de políticas públicas, de incentivo a energias renováveis, a verdadeira solução para a atual crise.

Thiago Almeida é membro da campanha de Clima e Energia do Greenpeace Brasil