O globo, n. 29845, 24/04/2015. Economia, p. 17

Até o pré-sal entra no ajuste

Bruno Rosa, Ramona Ordoñez e Rennan Setti

RIO - Depois de finalmente publicar seu balanço auditado de 2014, a Petrobras agora entra na fase dos ajustes para sanear as finanças. A ideia é reduzir seu elevado nível de endividamento e gerar receita rapidamente. E, nesse contexto, pode entrar até parte das áreas da camada do pré-sal em exploração, a menina dos olhos da companhia. Em teleconferência de apresentação das demonstrações financeiras a analistas do mercado, Solange Guedes, diretora de Exploração e Produção da Petrobras, admitiu a possibilidade de vender participações em ativos do pré-sal, buscando sócios para “compartilhar riscos”.

— Não vamos fazer desinvestimentos em ativos do pré-sal. Mas estamos olhando com atenção alguns ativos, e não importa se é pré-sal ou pós-sal, e se podemos compartilhar riscos. Nós estamos buscando trabalhar com projetos iguais e padronizados — afirmou Solange.

Segundo a diretora, o objetivo é firmar parcerias:

— Muitas empresas têm interesse em se associar à Petrobras e se aproximar da Petrobras para carregar investimentos. Estamos, sim, conversando com empresas para ter desoneração no capex (investimento em capital fixo) via parcerias.

Na teleconferência nesta quinta-feira, os analistas se mostraram mais preocupados em cobrar resultados futuros — ao contrário do que se esperava, nada se falou sobre o esquema de corrupção na estatal, que gerou perdas de pelo menos R$ 6,2 bilhões e contribuiu para baixas contábeis dos ativos no valor de R$ 44,6 bilhões. A empresa anunciou anteontem um prejuízo de R$ 21,6 bilhões em 2014. Solange destacou a importância de se concentrar em projetos que deem um retorno mais rápido:

— Há um foco no retorno de curto prazo. Como exemplos dessa estratégia, estamos postergando projetos de baixo retorno ou que demandem investimento inicial prolongado, focando nossa carteira em ativos de baixo risco.

Ivan Monteiro, diretor financeiro da Petrobras, frisou que a prioridade é reduzir o nível de endividamento da companhia, que fechou 2014 em R$ 282,1 bilhões, maior que os R$ 221,6 bilhões de 2013:

— A diminuição da alavancagem (relação entre endividamento total líquido e geração de caixa) é uma prioridade. O investimento já está sofrendo uma redução expressiva de 37% para 2016 (para US$ 25 bilhões). Já o programa de desinvestimento é conduzido de forma confidencial. Mas essa será uma premissa importante para desalavancar a empresa. O novo Plano de Negócios vai ser um conjunto harmonioso dessas decisões.

Agências mantêm nota da estatal

O Plano de Negócios 2015-2019 será divulgado em 30 dias. Luciana Nazar, da GO Associados, acredita que a venda de ativos da estatal — de US$ 13 bilhões até 2016 — trará alívio para o endividamento.

— As agências já rebaixaram a nota da Petrobras recentemente e deverão esperar um pouco antes de fazer outra avaliação. O endividamento da empresa é alto, mas cerca de R$ 79 bilhões são com bancos públicos federais — disse.

Nesta quinta-feira, a agência de classificação de risco Standard & Poor’s informou que manteve a nota (BBB-, grau de investimento, mas apenas uma acima do nível especulativo) e perspectiva negativa para a empresa, o que significa que pode rebaixá-la a médio prazo. Segundo a agência, a divulgação do balanço já fazia parte do cenário traçado, mas continuam as preocupações com a capacidade de elevação da produção e possíveis multas devido à corrupção. A Moody’s, que já tirou o selo de bom pagador da Petrobras, também não viu motivos para alterar a nota Ba2 — a dois degraus do grau de investimento.

Em relatório, o analista do Credit Suisse Andre Sobreira afirmou que os investimentos “não são baixos o suficiente” frente à geração de caixa da empresa. Já Bruno Piagentini, da Coinvalores, avaliou que a estatal enfrentará sérios desafios para reduzir sua alavancagem, uma vez que tem grandes investimentos pela frente, como o pré-sal, e sua geração de caixa não tem sido a que se esperava há alguns anos.

Para Karina Freitas, da Concórdia, o endividamento da Petrobras deve aumentar no primeiro trimestre de 2015 por causa da desvalorização do real:

— Essa relação (endividamento total líquido/geração de caixa) está em 4,7 vezes, mas há o risco de superar cinco, uma razão muito preocupante. Tudo vai depender de sua geração de caixa. A companhia vinha gerando caixa com o petróleo barato, mas a valorização do dólar anulou isso.

Segundo o diretor financeiro, a estatal adotará uma política de preço dos combustíveis no país que evite a volatilidade:

— As premissas incorporam preços competitivos e de mercado.

Monteiro disse ainda que não existe projeto ou iniciativa em relação à capitalização ou conversão de dívida.

— Não existe projeto ou iniciativa em relação à capitalização nem conversão de dívida. Com relação à possibilidade de aumentar o capital com aumento de ações, não exite essa possibilidade. Não vejo nenhum dado que mude o guidance (previsão) da companhia no curto prazo — disse Monteiro.

Na coletiva de divulgação do balanço de 2014 da estatal, a empresa informou que prevê investimentos de US$ 29 bilhões neste ano, menos que os US$ 35 bilhões do ano passado. Para 2016, o investimento cairá para US$ 25 bilhões. Ivan classificou como "expressiva" a redução dos investimentos da empresa para 2016.

— O investimento já sofreu redução. A companhia vinha de um capex muito grande. O número (anunciado para 2016) já leva em conta a ponderação entre parar o que já está quase pronto ou parar projetos em parceria com parceiros. O novo Plano vai priorizar investimentos para E&P. O novo plano vai incorporar essa premissa, de desalavancagem da companhia e focar em projetos com maior rentabilidade — disse Ivan.

Já Solange disse ainda que haverá abandono de poços na Bacia de Campos.

— Algo que se apresenta é o exercicio de abandono em águas rasas na Bacia de Campos em prazo menor do que estávamos planejando. Isso está trazendo esses valores para as nossas contas.

DIVIDENDOS

Segundo Ivan, o corte nos dividendos de 2014 ocorreu por "preservação de caixa". Já em relação ao pagamento de participação nos lucros aos empregados (PLR), Ivan deu mais detalhes, já que analistas lembraram que a empresa deve pagar cerca de R$ 1 bilhão aos empregados:

— No caso do dividendos, o principal motivo foi preservar o caixa da empresa. Em relação ao PLR, existe um acordo coletivo entre sindicatos e está associado a desempenhos operacionais. E quase todas elas foram superadas. É um assunto relativo ao acordo coletivo e que a companhia sempre vai cumprir.

Jorge Celestino Barros, diretor de Abastecimento, destacou também que está praticando a "paridade de importação" de 100% da venda de gasolina e do diesel no Brasil neste ano. Ou seja, a estatal não está registrando nem lucro nem prejuízo com a venda interna dos combustíveis em relação aos preços internacionais.

— 100% da venda de gasolina e diesel está na paridade de importação de preço.Temos praticado neste trimestre a paridade de importação.

Ivan destacou que a o novo Plano de Negócio vai buscar preços de mercado para a venda de combustíveis no Brasil:

— A política de preços afasta volatilidade e busca previsibilidade. O que queria colocar de forma clara é que as premissas do bussiness plan incorporam preços competitivos e de mercado. Toda a premissa se baseia nessa informação.