O globo, n. 29846, 25/04/2015. Economia, p. 25

Ajuste fiscal em risco após embate entre Cunha e Levy

Junia Gama

BRASÍLIA - Os atritos entre o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e a base aliada do governo na Câmara, durante as negociações do projeto que amplia a terceirização, deixaram um mal-estar que pode prejudicar a aprovação das medidas do ajuste fiscal no Congresso. Parlamentares próximos do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que presenciaram a discussão entre ele e Levy, na quarta-feira, horas antes da aprovação do projeto pelo plenário, disseram que Cunha está muito aborrecido com o PT e com o governo e pode dificultar a aprovação das MPs do ajuste fiscal, embora Cunha negue.

O ministro da Fazenda Joaquim Levy - Jorge William / Jorge William/27-11-2014

Antes do início da votação do projeto de terceirização, houve uma reunião tensa no gabinete do presidente da Câmara com os ministros Joaquim Levy (Fazenda), Ricardo Berzoini (Comunicações) e Eliseu Padilha (Aviação Civil). Segundo relatos, Cunha disse a Levy que a parte referente a arrecadação deveria ser negociada com os senadores.

Na reunião, tanto Levy quanto Cunha elevaram o tom. Deputados que presenciaram o bate-boca relataram que Cunha cobrou o ministro por querer obrigar o PMDB e até mesmo partidos da oposição a apoiar uma proposta para aumentar a arrecadação, quando o próprio PT, partido da presidente Dilma Rousseff, estava contra o projeto. Um dos presentes ao encontro contou que Levy comportou-se de forma muito "impositiva", o que provocou reação do presidente da Câmara.

— Você está subestimando nossa inteligência! Então quer dizer que você é o dono da verdade? Não dá para vocês chegarem aqui, quererem que a gente assuma 5,5%, se nem o partido de vocês apoia — dissera Cunha.

Levy não baixou a voz e continuou argumentando de forma incisiva. Foi então que entrou na sala o líder do PT, deputado Sibá Machado (AC), dizendo que o presidente da CUT havia sido detido na porta do Congresso e que Cunha precisava deixá-lo entrar. O presidente da Câmara respondeu que não o faria, por conta da "baderna" que ele causou na última sessão, mas que o PT poderia ficar tranquilo, porque na votação das MPs 664 e 665 (que dificultam a concessão de pensão por morte, abono salarial e seguro-desemprego), as galerias seriam abertas aos trabalhadores.

Risos de alguns deputados. Silêncio dos petistas. De acordo com deputados, Levy chegou a pedir que fossem chamados os líderes do DEM, Mendonça Filho (PE), e do PSDB, Carlos Sampaio (SP), em um último apelo à oposição para que apoiassem a proposta. Sampaio sequer atendeu ao chamado e Mendonça disse que não tinha como acompanhar aquilo, que o ministro deixasse para negociar no Senado.

O presidente da Câmara reiterou que não havia consenso para acolher o pedido da Fazenda:

— Já que é uma farra fiscal, então não coloca nada! — disse Levy, segundo relatos.

— Farra é o que vocês querem fazer! — retrucou Cunha e encerrou o encontro, deixando a sala.

O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha - Jorge William / Jorge William/25-3-2015

Durante a discussão, o peemedebista aproveitou para reclamar do PT. Disse que considerou uma "agressão" a forma como o partido conduziu o debate sobre a terceirização ao afirmar que o projeto tira direitos dos trabalhadores. Segundo Cunha, a estratégia petista "feriu" muitos deputados, justamente em um momento em que o governo vai precisar deles para aprovar o ajuste.

— Os deputados do PMDB, PSD, PRB, PP, PR, que foram tão atacados pelo PT, não estão nada felizes. Vão encarar essas medidas provisórias como? É uma situação muito difícil que o governo vai ter que enfrentar na votação das MPs — teria dito Cunha.

A temperatura começou a subir no encontro quando Cunha disse que o PT fez "todo tipo de armação" para desmoralizar o projeto perante a sociedade e completou dizendo que, muitas vezes, não pode atender o governo porque tem que organizar seu bloco para derrotar o PT.

O líder do governo, José Guimarães (PT-CE), reagiu:

— O senhor pode derrotar o governo, mas não derrote o país.

Cunha não gostou da declaração, que considerou “absurda”, e disse que não iria permitir que ninguém o tratasse assim.

Perguntado sobre o embate com Levy na quarta-feira, o presidente da Câmara disse que foi uma “discussão normal” que não vai “alterar nada”. Procurado, o ministro Levy não retornou até o fechamento desta edição.