Após 2 anos, redução de pena pela leitura atinge só 4 presídios

Luiz Fernando Toledo

 

Às quintas-feiras, um grupo de 28 rapazes se reúne em uma pequena biblioteca em Hortolândia, região de Campinas, para discutir literatura. Chegam de chinelos nos pés, com os olhos voltados ao chão e as mãos cruzadas nas costas. Estão no Centro de Progressão Penitenciária (CPP) do município.
Estes homens participam do primeiro programa de redução de pena pela leitura do Estado de São Paulo. Marcos (nome fictício) tem 31 anos e já leu 11 livros desde o início do projeto – é o recordista do grupo. Foi preso duas vezes por roubo e responde a seis processos. Seu maior objetivo, como de todo sentenciado, é deixar o presídio. “Não tinha consciência das coisas. Eu só pensava na ambição, em melhorar minha condição de vida”, contou. Aprovada há dois anos, apenas quatro unidades prisionais do Estado – de um total de 162 – adotam a chamada remição de pena por leitura aos seus sentenciados.
No período, só 28 reduções já foram aprovadas e outras 196 aguardam decisão judicial. O Estado tem hoje 220 mil presos, segundo a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP). A previsão da Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo, responsável pela portaria que normatizou o processo, é que todos os presídios usem o sistema até o fim de 2016. Além do CPP de Hortolândia, estão no programa a Penitenciária Dr. Antonio de Souza Neto, em Sorocaba, e duas penitenciárias femininas, de Campinas e de Sant’Ana, na zona norte de São Paulo – estas começaram neste ano a trabalhar com essa modalidade de redução de pena.
Marcos passou a ler na cadeia para diminuir a pena, como todos os outros, mas o hábito – disse – se tornou mais importante do que os dias descontados. “Eu me arrependo. Mas agora quero mudar, voltei a estudar.” Enquanto não pode sair, leva os livros para o pátio e para a cela. Durante o dia, trabalha como serralheiro – outra forma possível de reduzir a pena na prisão.
Ele poderá pedir liberdade condicional só em 2018. O homem que passou quase metade da vida atrás das grades agora quer ser médico psiquiatra. “Quero poder entender a mente das pessoas e auxiliar de alguma maneira.” Quando entrou no presídio, tinha o 5º ano do ensino fundamental. Agora, depois de acompanhar as aulas e o projeto de leitura, sonha com o futuro. “Já fiz o Enem e acho que a leitura me ajudou a ir bem.” Marcos lia naquela semana Incidente em Antares, de Érico Veríssimo. Mas a obra que mais lhe chamou a atenção foi Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago. “Mostra uma sociedade que é cega. Uma sociedade de pessoas fazendo as coisas pensando só nelas.
E aí começa uma epidemia de cegueira, contagiosa. É como se fosse a consciência das pessoas contaminando todo mundo.”Marcos liga a obra à sua situação: a prisão é a cegueira e o arrependimento, uma saída. “Na hora que voltaram a enxergar, eles tiveram uma visão diferente em relação à vida.” Aulas.
O grupo de estudos se reúne sempre às 17h. A sala de leitura fica em um ambiente diverso do presídio. O espaço é como uma escola: há um corredor com murais nas paredes, cartolinas com trabalhos feitos pelos presos. O acervo é de 1,9 mil livros. Em prateleiras estão os mais lidos naquele lugar. Alguns se dedicam à leitura de jornais, outros observam as capas das obras, com curiosidade. Além da leitura, os presos podem assistir às aulas regulares administradas pela Secretaria Estadual de Educação (SEE), outra forma de diminuir a pena.