Valor econômico, v. 15, n. 3735, 14/04/2015. Finanças, p. C1

 

 

Liquidez em bancos ajuda companhias a rolar dívida externa

 

Por Vinícius Pinheiro e Talita Moreira | De São Paulo

 

Ana Paula Paiva/ValorRogério Monori, do Banco de Tokyo: empresas anteciparam captações e agora precisam de poucos recursos

As linhas de crédito externas têm garantido recursos para as empresas brasileiras em meio à escassez de outras fontes, como a emissão de bônus no exterior. Apesar da piora nos fundamentos da economia, os bancos mantiveram o crédito em dólares, valendo-se da farta liquidez internacional e dos juros ainda baixos.

Dados do Banco Central (BC) mostram que, mesmo com a turbulência interna, as empresas não enfrentam dificuldade em obter empréstimos externos. A taxa de rolagem dos financiamentos estava em 106% em fevereiro, segundo o BC. Isso significa que o volume captado pelas companhias é maior que o de vencimentos no período.

A maior parte dos recursos vem de linhas voltadas a empresas exportadoras, como o pré-pagamento de exportações e o adiantamento sobre contrato de câmbio (ACC), que contam com isenção fiscal. Mas as condições vantajosas em relação às linhas em reais também atraem companhias que não possuem vendas no exterior, por meio das chamadas "operações 4131" (capital de giro em dólar). A principal razão para a atratividade do crédito externo vem da diferença entre as taxas de juros externas e domésticas, ainda maior em momentos de desvalorização do real.

Nos primeiros meses do ano, essas variáveis foram amplamente favoráveis ao crédito em dólares, segundo Alexandre Soares, executivo da área de "trade finance" do Santander. "O custo das linhas externas tem ficado mais baixo que o de alternativas em reais."

É difícil afirmar de quanto é essa diferença porque depende do tamanho e do prazo da operação. Porém, as condições favoráveis têm levado algumas empresas a aproveitar não só para tomar dívidas novas como para pré-pagar linhas tomadas em reais com recursos obtidos no exterior.

Para não expor as empresas que não possuem receita em dólares ao risco cambial, os bancos vendem o empréstimo "casado" com um contrato de swap, que converte o passivo em dólar para a taxa interbancária (CDI), referencial para o financiamento em reais. As instituições estrangeiras, com acesso a funding barato no exterior, costumam ser as mais competitivas nas linhas "4131".

A simplicidade das operações de capital de giro no exterior cria um apelo adicional para as linhas "4131". A contratação é rápida e sem grandes burocracias. "Além do cupom cambial favorável, há uma facilidade maior de execução", afirma Maurício Tancredi, diretor do Bank of America Merrill Lynch (BofA).

Uma alternativa para as empresas são os empréstimos sindicalizados, que têm a participação de várias instituições. Esse mercado, que encolheu no pós-crise, está em alta por causa da forte liquidez nos bancos. A Raízen, empresa de cana-de-açúcar e distribuição de combustíveis, fechou uma operação de cerca de US$ 725 milhões em condições melhores que as obtidas no ano passado. Os recursos terão prazo de cinco anos, com taxa Libor (taxa interbancária de Londres) mais 1,20% ao ano. Em 2014, a companhia captou US$ 600 milhões com vencimento em cinco anos e custo de Libor mais 1,40% ao ano.

Ao contrário das captações com títulos de dívida, as linhas de crédito bancário são menos influenciado pela dinâmica de curto prazo dos ativos financeiros. Por isso, em alguns casos, empréstimos bilaterais ou sindicalizados têm sido usados para substituir uma rolagem que, em outro cenário, seria feita por meio de bônus. Com a subida do prêmio de risco do Brasil, desde novembro nenhuma companhia do país recorre ao mercado internacional de renda fixa.

A migração para o crédito bancário é apenas parcial. Muitas empresas preferem esperar uma melhora no mercado de capitais, que proporciona uma base de investidores diversificada e prazos mais longos. As emissões de bônus tipicamente têm vencimentos a partir de cinco anos. Os empréstimos que têm prevalecido atualmente são de dois e três anos.

O volume previsto de resgate de bônus neste ano é relativamente pequeno. Segundo dados do BC, dos US$ 39 bilhões em dívidas externas corporativas que vencem em 2015, US$ 11 bilhões se referem a títulos de renda fixa.

Além da abundância de recursos no exterior, contribui para a relativa facilidade na rolagem de dívidas externas a menor necessidade de recursos. "A maior parte das companhias se antecipou ao atual cenário", afirma Rogério Monori, diretor do Banco de Tokyo Mitsubishi UFJ no Brasil.

O resultado é que a oferta de dinheiro hoje é maior que a demanda, embora as instituições estejam mais seletivas na concessão de crédito. "Não é todo mundo que tem acesso a esse mercado", afirma o executivo do Banco de Tokyo, cuja exposição ao Brasil triplicou nos últimos quatro anos e hoje está em US$ 13 bilhões.

A demanda fraca tem contribuído para que algumas empresas consigam recursos com queda nas taxas. "Todo mundo prefere os mesmos créditos, o que faz com que os preços caiam para essas companhias", diz o corresponsável pela área de emissão de dívida do Citi no Brasil, Eduardo Freitas.

Para empresas com bom perfil de crédito, a concorrência entre os bancos tem compensado a alta no prêmio de risco do Brasil. Adoniro Cestari, vice-presidente de produtos corporativos do Citi, observa que bons nomes têm acessado o mercado com facilidade.

O aumento do risco-país ainda não está evidente nas linhas bancárias, diz Monori, do Banco de Tokyo. "Começamos a ver um ponto de inflexão nas taxas, mas o movimento ainda não é aparente."

Segundo Tancredi, do BofA, os custos de algumas linhas já estão levemente acima que os de um ano atrás, mas ainda compensam em relação às taxas locais.

Governo defenderá novo modelo de investimento

 

Por Juliano Basile | De Washington

Integrantes do governo brasileiro vão defender durante a reunião de primavera do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, nesta semana, em Washington, uma nova prática de investimentos na área de infraestrutura no país.

O objetivo é mostrar que os aportes de capitais para esses projetos no Brasil podem se tornar um ativo alternativo a outras opções de renda fixa e variável que estão disponíveis no mercado, possuem baixo risco e costumam ser mais atrativas.

A reunião de primavera do FMI e do Banco Mundial é uma oportunidade para os governos dos países apresentarem suas metas e propostas a investidores em busca de novos aportes de capital.

Segundo estimativas do Banco Mundial, para obter taxas mais favoráveis de crescimento, os países em desenvolvimento devem investir US$ 1 trilhão por ano em infraestrutura até 2020. A instituição calcula que esse montante estaria disponível, mas há dificuldades para canalizá-lo aos países que necessitam de recursos.

No caso dos emergentes, os aportes do setor privado para infraestrutura vêm caindo. Em 2012, os emergentes - Brasil incluído - receberam US$ 186 bilhões e, em 2013, foram US$ 150 bilhões, segundo cálculos do banco.

A delegação brasileira, sob o comando do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, terá vários encontros com investidores e deverá apresentar três linhas gerais para aportes em infraestrutura. A primeira é a criação de melhores instrumentos para investidores na área de "project finance". Diante do ajuste fiscal, os aportes diretos do BNDES estão sofrendo uma redução natural. Por isso, há a necessidade de fazer com que os investimentos tenham novas formas de sustentação.

A segunda linha vai nesse sentido, já que prevê o fortalecimento da área de governança na infraestrutura. O governo pretende elaborar projetos capazes de oferecer aos investidores uma visão de longo prazo para os aportes.

Nos países em desenvolvimento, como o Brasil, os investimentos em infraestrutura, como aqueles feitos por meio da aquisição de debêntures, costumam envolver riscos mais elevados, o que aumenta a taxa de retorno.

As dificuldades para a realização desses aportes eram solucionadas a partir da atuação do BNDES, que entrava com subsídios aos projetos, garantindo a realização. Agora, esse cenário mudou e o governo pretende elaborar projetos com prêmio baixo e modicidade tarifária.

A ideia é oferecer recursos por meio das linhas de financiamento do BNDES com TJLP, atualmente em 6% ao ano, às empresas que captem recursos adicionais no mercado, como debêntures. Se essa meta for atingida, a expectativa é que haverá uma alavancagem no mercado de capitais, vista como necessária e positiva pela Fazenda.

A terceira linha envolve um esforço do governo para reduzir riscos regulatórios e garantir previsibilidade nas regras para a participação nos projetos. Essas medidas dariam mais segurança a investidores internacionais. O objetivo é criar condições para que o mercado comece a reduzir o custo do capital para investimentos no Brasil.

Como a Fazenda espera obter resultados num curto prazo, os encontros com investidores devem ser intensificados a partir de quinta-feira, quando Levy chegará em Washington, e estendidos até a semana que vem, já que o ministro irá a Nova York para mais reuniões logo após o fim do evento do FMI.

Nesses diálogos não haverá a defesa de aportes num setor específico da economia, mas na área de infraestrutura como um todo. "O objetivo será, sobretudo, o de apresentar mudanças nos modelos de concessão num contexto de busca de maior atratividade do setor privado para investir nessas áreas e dinamização do mercado de capitais no Brasil", informou uma fonte da área econômica.

Também não será feita a defesa de uma modalidade específica de investimento, mas a apresentação de um novo ambiente no país para a realização de aportes.