Associados vão cobrir rombo de 43 fundos de pensão

Josette Goulart

Murilo Rodrigues Alves

 

No fim deste mês, o contracheque dos funcionários dos Correios virá com um desconto extra, em torno de 5% do salário médio, para poder compensar as perdas bilionárias que o fundo de aposentadoria da categoria, o Postalis, registra nos últimos anos. Mas a desventura não será exclusiva dos carteiros. Ao todo, 43 fundos de pensão no País terão de readequar as contas e apresentar a fatura aos participantes, sejam trabalhadores na ativa ou aposentados, e às empresas patrocinadoras.

Dados da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) mostram que, em 2014, o déficit total atingiu R$ 31 bilhões - 42,71% maior do que no ano anterior. Pelas regras, nem todo mundo que teve déficit precisa fazer o ajuste neste ano. Mas a maior parte deles terá de fazer neste ano o chamado "equacionamento", ou seja, o rateio do prejuízo.

Na média, mesmo quem não teve prejuízo não conseguiu atingir as chamadas metas atuariais: a rentabilidade mínima que permite ao fundo ter dinheiro para pagar a aposentadoria de seus participantes. A rentabilidade nominal dos fundos em 2014 foi de 7%, mas deveria ter sido de 11,73%. Na prática, isso significa que, se continuarem a não cumprir as metas, aumenta, a cada ano, o número de entidades que podem fazer chamadas extras de contribuição.

Dois grandes fundos de pensão do País, o Postalis e a Funcef, da Caixa Econômica Federal, já divulgaram oficialmente que terão de fazer ajustes. Juntos, eles foram responsáveis por quase metade do déficit das fundações, afetando 150 mil trabalhadores ou aposentados. Os motivos para que os fundos tenham apresentado déficit tão expressivo, segundo os diretores da Previc, Sérgio Bjund e Maurício Nakata, decorrem da desvalorização da Bolsa de Valores e de mudanças na taxa de metas de fundações. Mas também está na conta de provisões, que estão sendo feitas para prováveis perdas com investimentos mal direcionados.

Crise. Tantos déficits estão gerando uma crise de confiança e questionamentos sobre o papel da Previc, o órgão responsável pela fiscalização dos fundos. Os funcionários dos Correios, por exemplo, por meio de sua Federação Nacional, estão pedindo que a Previc seja responsabilizada na Justiça pelo déficit do Postalis, que chega a 50% do caixa que o fundo deveria ter.

Em resposta, a Previc decidiu que neste ano vai fiscalizar todos os 1.099 planos que estão sob sua responsabilidade, segundo os diretores do órgão. É uma forma de tentar evitar que a crise de confiança se espalhe pelos 3,2 milhões de trabalhadores ou aposentados que têm R$ 704 bilhões em fundos fiscalizados pela Previc.

Os administradores dos fundos de pensão, por outro lado, pressionam o governo e o órgão regulador do setor para alterar as regras de solvência dos planos. As entidades querem modificar o cálculo a partir do qual os participantes e os patrocinadores são obrigados a injetar recursos para cobrir desequilíbrios.

A tolerância atual é com um déficit de 10% do patrimônio líquido. Caso ultrapasse esse limite, o fundo tem de se reequilibrar, elevando contribuições de participantes e patrocinadores. Se o plano ficar no vermelho por três anos consecutivos também é obrigado a fazer novos aportes. O setor pede que esse limite deixe de ser um número fixo para todos os planos e passe a ser calculado com base no horizonte médio dos prazos de pagamento dos benefícios.

A Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), que representa o setor, argumenta que, em alguns casos, contribuições extras exigidas para reequilibrar déficits de curto prazo podem se mostrar desnecessárias no longo prazo. Para o presidente da Abrapp, José Ribeiro Pena Neto, o governo quer adiar a discussão. Há um temor que a mudança seja vista como "afrouxamento" das regras quando déficits bilionários vêm à tona. "A discussão é importante e relevante", disse o diretor-superintendente Carlos Alberto de Paula.

Na prática, os órgãos reguladores já flexibilizam as regras. Caso contrário, os desequilíbrios seriam maiores. No fim do ano passado, foi permitida uma mudança na forma de calcular a contabilidade de títulos públicos. Segundo a Previc, isso pode fazer com que o número de 43 fundos que precisam fazer equacionamento caia. Mas isso só será conhecido em julho, após a divulgação dos balanços.

 

700 carteiros pedem para sair do fundo Postalis

O carteiro Leonardo está assustado porque ouviu na "rádio peão" que tem uma dívida de R$ 45 mil com o fundo de pensão dos Correios, o Postalis. Ele faz contribuições para o Postalis há mais de dez anos. Todo mês, cerca de R$ 100 são descontados de seu salário. O que disseram é que se ele sair da empresa agora, terá que pagar tudo isso de uma vez. Se ficar, vai pagar em 15 anos. Já o carteiro Juarez, a dois anos de se aposentar, só sabe dizer: "eles roubam e depois é a gente que tem que pagar a conta. Por isso, tem muita gente saindo". Alguns carteiros em São Paulo já chegam a comentar que se mobilizam para entrar em greve.

Assim como Leonardo e Juarez, milhares de carteiros espalhados pelo País não entendem o que está acontecendo com o dinheiro de suas aposentadorias. O clima fica tenso porque, segundo contam, ainda foram proibidos de dar entrevistas. Nessa toada de desinformação e crise de confiança, 700 participantes já pediram o desligamento do fundo somente neste mês de abril, segundo informações do Postalis. Em março, antes da divulgação do déficit, eram pouco mais de 20 pedidos.

Além disso, 4 mil cartas foram enviadas para tentar barrar o desconto maior no salário, que virá registrado no contracheque de abril, para cobrir o déficit de R$ 5,6 bilhões registrado no fundo e que terá que ser coberto por quase 76 mil participantes, entre trabalhadores e pensionistas, e pelo Correios.

Sem efeito. O que muitos desses funcionários não sabem é que ao se desligarem do fundo não podem retirar o seu dinheiro imediatamente. O saque só pode ser feito quando deixam os Correios efetivamente. Além disso, não podem resgatar a contribuição dada pela empresa. Esse dinheiro fica no fundo e depois será dividido entre aqueles que permanecerem.

Tem mais: a carta para tentar impedir a cobrança, que estão enviando ao fundo, não tem nenhum poder legal sem um pedido efetivo de desligamento do fundo. Segundo o sindicalista e carteiro Emerson Marinho, teme-se que o fundo vá quebrar. "Para a maior parte dos participantes, o aumento da contribuição representa cerca de 7% do salário. Na média geral, será 5%", diz.

Na semana passada, a Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos (Fentect) entrou com uma ação judicial para tentar suspender a cobrança. Além disso, segundo o secretário geral da Federação, José Rodrigues, pedem para que Previc, o órgão fiscalizador dos fundos, e o próprio Correios sejam responsabilizados pelo rombo.

Há anos o Postalis é criticado por investimentos questionáveis que colocaram em risco a carteira. Um exemplo foram os quase R$ 400 milhões aplicados em papéis da Venezuela e da Argentina, que recentemente deu um calote em sua dívida. Também investiu em bancos que quebraram, como BVA e Cruzeiro do Sul. Somente em processos na Justiça paulista são mais de R$ 1 bilhão em que a nova administração tenta reaver o dinheiro mal aplicado.

O próprio fundo diz que boa parte do déficit foi gerado por provisões para perdas com investimentos. Por isso, se questiona o papel da Previc. O diretor de fiscalização, Sérgio Bjund, diz que uma auditoria feita em 2012 no Postalis resultou em 12 autuações contra administradores. Suas conclusões foram enviadas ao Ministério Público. O déficit daquele ano fez com que a contribuição dos carteiros aumentasse em 3,94%. Outra auditoria está em andamento. O déficit acumulado terá agora um efeito de 25,98% sobre o valor da contribuição.