A Agência Nacional de Vigilância Sanitária aprovou nesta quarta-feira (22) regras que facilitam a importação de medicamentos que tenham como princípio ativo o canabidiol, um dos derivados da maconha. A principal alteração é a que deixa de exigir um pedido de autorização novo para cada importação, mas o cadastro na Anvisa deverá ser renovado a cada ano.

As mudanças que constam da nova resolução vieram depois de um ano da aprovação de importação de produtos com canabidiol no país. Nesse período, a Anvisa analisou o processo e teve reuniões periódicas com famílias de pacientes que usam os medicamentos. Em janeiro, foi liberado oficialmente o uso desse tipo de produto para uso medicinal.

O cadastro permitirá que as famílias façam a importação do produto sem precisar apresentar o pedido à Anvisa todas as vezes. Ele só precisará ser renovado anualmente, com a apresentação de um laudo médico mostrando a manutenção do quadro médico que exige o uso do medicamento e uma nova receita. Outra mudança é que a compra no exterior não precisará ser feita de uma vez só. Se por questões financeiras a família, mesmo tendo uma receita de vários lotes, preferir fazer várias compras, poderá fazê-lo.

A resolução também permitirá que a importação passe a ser feita por associações de parentes de usuários, em vez de exigir, como hoje, que cada família faça o seu pedido. A associação não poderá vender o produto, o que é proibido no Brasil, mas poderá reunir famílias que precisam do mesmo medicamento e fazer apenas um mesmo pedido, diminuindo custos e a burocracia envolvida na importação. A autorização, no entanto, continua a ser individual por paciente.

A Anvisa também deixou claro que entidades hospitalares, governamentais ligadas à saúde e planos de saúde poderão fazer também a importação, para atender seus pacientes. Essa possibilidade não estava clara na resolução anterior.

A agência preparou uma lista de produtos que se enquadram nas regras para uso médico no Brasil - entre elas, ter teor de THC, que tem efeito psicoativo, menor do que o de canabidiol e ter registro em seu país de origem - e que poderão ser importados dentro dessas novas regras. De acordo com a assessoria da Anvisa, eles representam 95% dos medicamentos desse tipo importados hoje.

Apesar das mudanças, um dos principais entraves para as famílias que necessitam dos produtos, as taxas de importação, não devem mudar - podem diminuir no caso das compras feitas via associações. Também não está em estudo a autorização de venda por meio de serviços postais. Uma das reclamações das famílias é a exigência de retirada do produto pessoalmente nos aeroportos. A avaliação da Anvisa é que as entregas por serviços postais fariam com que o governo perdesse o controle do que está entrando no país.

'É preciso mudar a cultura e depois a lei', diz FHC sobre drogas

LUCIANA NUNES LEAL 

 

Ex-presidente criticou o governo federal por não participar de forma efetiva da discussão sobre nova política de drogas

 

RIO - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), criticou nesta quarta-feira, 22, o governo federal por não participar de forma efetiva da discussão sobre nova política de drogas, com menos repressão e mais ações de redução de danos e atenção aos dependentes. Fernando Henrique reconheceu que não há ambiente no Congresso para discutir temas como a descriminalização das drogas. "É preciso primeiro mudar a cultura e depois mudar a lei", afirmou. Para o ex-presidente, a resistência à discussão "não é conservadorismo, é atraso". 

 

 

"Descriminalização é um ato de civilidade. O usuário não pode ser posto na cadeia. Às vezes, pode ser aconselhado a ir a um dispensário médico, se não for o caso de uso por recreação. Outra coisa é o contrabandista. A descriminalização não legaliza automaticamente", disse o ex-presidente, ao comentar o caso de Portugal, que há dez anos descriminalizou o uso de todas as drogas. 

 

 

'O governo atual aparentemente não tem sensibilidade em relação às drogas'  

'O governo atual aparentemente não tem sensibilidade em relação às drogas'  

 

 

 

 

 

 

Fernando Henrique participou de seminário internacional sobre política de drogas organizado pelas Fundações Sociedades Abertas, do empresário e investidor húngaro-americano George Soros, que perguntou ao ex-presidente "por que o Brasil está ausente desta discussão global e atrás de outros países da América Latina". 

 

Em resposta, o ex-presidente afirmou que "no caso do Brasil, o governo atual aparentemente não tem sensibilidade em relação às drogas". Ele disse ter ouvido da presidente Dilma Rousseff que "é viável" o Brasil participar do debate sobre mudanças nas leis e caminhos para a descriminalização do uso de drogas, mas que depois os dois não trataram mais do assunto. "Há esperança", comentou.

 

Fernando Henrique disse que havia falado com Dilma a pedido do presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, que defende um debate internacional sobre mudanças na política de drogas. "A presidente me ligou para dizer que concordaria com a posição da Colômbia. Não sei se ela avançou nessa direção, nós não estamos nos falando muito bem. Ela concordou que é viável. A presidente foi torturada, tem mais sensibilidade nessa questão. É preciso sensibilizar o governo de que o Brasil tem que liderar essa questão em relação à droga, aos direitos humanos e também ao meio ambiente. Espero que o governo brasileiro esteja na liderança dessa questão", disse o ex-presidente. 

 

Com a retomada de temas conservadores, como a redução da maioridade penal, na Câmara dos Deputados, e discussões em torno do ajuste fiscal e mudanças nas regras trabalhistas e previdenciárias, Fernando Henrique disse que a descriminalização das drogas está longe da pauta do parlamento. "Não creio que tenha chegado o momento para o Congresso discutir esse tema. Seria precipitação abrir o debate no Congresso, que está preocupado com outras questões. No Brasil as pessoas não são conservadoras nem de esquerda, são atrasadas.´Tem que quebrar o atraso, muito mais que o conservadorismo", disse.

 

Fernando Henrique e o professor de psiquiatria da Escola de Medicina da Universidade Federal de São Paulo destacaram que, no Brasil, negros e pobre são presos, mesmo quando portam pequenas quantidades de droga, o que não acontece com brancos de classe média ou alta. "No Brasil, a probabilidade de ir preso aumenta muito se for pobre, negro e mulher, incluindo se estiver com pouca droga. A polícia diz que é tráfico. Há um preconceito muito grande. Se for uma pessoa com 'aparenciazinha' melhor, passa", afirmou Fernando Henrique. "Estamos na mão da discricionariedade da polícia", completou.