As crises gêmeas da água e da luz são um desses casos em que a gente odeia dizer “eu avisei”. Mas nós avisamos.

Há anos a academia e os ambientalistas vêm advertindo sobre o mito da abundância de recursos naturais no Brasil e a extrema vulnerabilidade do país às mudanças climáticas. Os tomadores de decisão, no entanto, sempre reagiram atirando no mensageiro.

Veja o Código Florestal. Quando o deputado Aldo Rebelo apresentou seu projeto de alteração na lei, que reduzia a proteção de matas ciliares, nós protestamos: todos sabem que essas florestas protegem os recursos hídricos. Nos estados da Mata Atlântica, como Rio e São Paulo, faltam 53 milhões de hectares de mata ciliar.

 
 
 
 

Corremos a apontar o risco, mas fomos acusados de um monte de coisas: de radicais, de conspirar com os EUA para minar o agronegócio brasileiro, de promover o genocídio dos pequenos agricultores.

A presidente da República, pelo visto, partilhava dessas opiniões, pois fez ministros os maquinadores da lei, o deputado Aldo e a senadora Kátia Abreu. Aposto que aqueles metros de mata ciliar andam fazendo falta na torneira dos eleitores de Aldo Rebelo em São Paulo.

Da mesma forma, há anos alertamos sobre a realidade inescapável das mudanças climáticas. Desde 2007, pelo menos, o IPCC, o painel do clima da ONU, vem indicando que o Brasil tende a extremos de chuva e seca neste século.

Mais uma vez, os avisos foram ignorados. Medidas de eficiência energética jamais foram implantadas em escala. Fontes renováveis foram chamadas de “fantasia” por Dilma. E os ambientalistas ainda levaram a culpa por “não deixarem” fazer grandes reservatórios na Amazônia.

Enquanto isso, o país dobrou a aposta na causa do problema: trocou o etanol pela miragem do pré-sal, ressuscitou o carvão e subsidiou a gasolina.

Os governos precisam mudar. Um bom lugar para iniciar a mudança é a cabeça da presidente Dilma Rousseff e do governador Geraldo Alckmin. Ambos precisam começar a tratar a mudança climática como prioridade para o desenvolvimento, não como uma extravagância. Também deveriam abraçar a sinceridade que só acomete políticos em fim de carreira: pedir desculpas à população e implantar programas de eficiência. O governador Luiz Fernando Pezão, cujo estado será o próximo a secar, deve urgentemente tomar medidas para evitar que até metade da água do Rio se perca na distribuição, como ocorre hoje.

Aldo Rebelo e Kátia Abreu podem ajudar. A titular da Agricultura deve comprometer-se com o desmatamento zero. O ministro da Ciência e Tecnologia precisa aprender a ouvir os cientistas que ele agora comanda.

Juntos, também deveriam apoiar no governo a definição de uma meta ambiciosa de redução de emissões de gases-estufa para o Brasil levar à conferência de Paris, no fim deste ano. Trata-se de uma medida que poderia ajudar a dar a sinalização correta para o setor econômico e prevenir apagões futuros. Nossos chuveiros agradeceriam.