A inflação poderá despencar pelo peso da gravidade da atividade econômica, em franco declínio. Para atingir o centro da meta de inflação em 2016, o Banco Central terá de elevar mais um pouco os juros e essa foi a direção indicada pelo Relatório de Inflação de março. Ao deixar o IPCA correr por quatro longos anos perto do teto de 6,5%, a autoridade monetária teria agora de realizar um aperto maior do que se tivesse agido tempestivamente. Em função do comedimento passado, 2015 é praticamente um ano perdido no combate à inflação. A estimativa do BC, em seu cenário de referência, aponta que se os juros não se moverem e o dólar estacionar em R$ 3,15, o IPCA fechará em 7,9%. Suas esperanças se moveram para 2016 que, no mesmo cenário, teria inflação de 4,9%.

O BC pretende circunscrever a disparada dos preços internos, especialmente dos preços administrados, antes artificialmente contidos, e dos repasses cambiais, a 2015. No fim do ano os preços seriam cadentes e afrouxariam fortemente em seguida. A trajetória é essa mesma, embora a magnitude da inflação possa não ser a esperada pelo BC. O cenário para a economia em 2015 elaborado pelo BC, reconhecidamente menos pessimista que os do setor financeiro, mostra claramente recessão, com encolhimento de 0,5% do PIB. Analistas privados preveem por enquanto uma contração de pelo menos o dobro disso, ou 1%, e as expectativas continuam se deteriorando. A recuperação antevista para 2016 vai também se tornando mais anêmica - agora com crescimento de 1,05%.

Nos cálculos do BC, que neste ponto coincidem com os dos mercados, só há um fator que possa servir de ponto de apoio para algum relançamento da economia. A agricultura crescerá menos que em 2014, a indústria continuará sua rota de retraimento e o setor de serviços, que ganhou peso maior no PIB revisado (para 71%), ficará estagnado.

O consumo das famílias, mola propulsora de quase uma década de crescimento, avançará 0,2%, bem abaixo do magro 1% do ano passado. Os gastos do governo não correrão à mesma velocidade e se restringirão a 0,3%, um sexto dos 1,8% de 2014. Os investimentos, após queda inédita por seis trimestres consecutivos, recuarão 6% neste ano. Resta o impulso das exportações e o recuo das importações. Na conta do BC, se apenas a demanda interna existisse, a recessão seria de 1,3% do PIB. Mas haverá agora um ainda incerto impacto positivo de 0,8 ponto percentual advindo do retorno do saldo comercial positivo.

Nestas condições, a inflação deveria mesmo murchar, embora analistas apontem que desta vez a situação é pior porque o BC perdeu parte de suas credenciais no combate à ascensão dos preços e não se acredita que ele tenha mudado sua posição. As expectativas e a inércia inflacionária, que tende a se instalar e ser maior quanto maior é o nível dos preços, pioraram e complicaram o trabalho futuro do BC. O BC tem menos influência sobre a inércia do que sobre as expectativas, às quais compete alinhar. Isso não aconteceu.

Um box do Relatório sobre os componentes da inflação, mostra que os preços livres, administrados e choque de oferta foram responsáveis por inflação de 5,05%. Se fosse esse o IPCA o ciclo de aperto monetário possivelmente já teria sido concluído. Mas a inércia (0,7 ponto percentual) e a expectativa negativa (0,69 ponto) jogaram o índice de preços para perto de ultrapassar o teto da meta. Este é o preço cobrado por agir por anos seguidos como se o limite prático do sistema de metas fosse o seu teto e não o centro - política nunca admitida pelo BC.

O BC vê um repasse bastante menor da disparada do dólar, o que é possível, e se mostra otimista com a política fiscal. Ela agora colabora com a política monetária e sempre deveria ter sido assim. Por outro lado, o BC ao mencionar uma "política fiscal consistente e sustentável", espera que "suas ações sejam plenamente transmitidas aos preços". O ajuste fiscal iniciado pressupõe aumento de impostos e algum repasse aos preços de vários setores industriais, em magnitude desconhecida. O fator limitante desse repasse será o nível de atividade muito baixo.

Também na política monetária ocorreu o mesmo que na política econômica. Quando o país precisa muito de um auxílio anticíclico, os instrumentos que poderiam ser utilizados não se encontram mais disponíveis - juros baixos e mais gastos públicos.