A batalha do setor de saúde contra as fraudes no uso e na compra de órteses, próteses e materiais especiais ganhou, finalmente, amplitude nacional. Depois de muitas denúncias, de reivindicações por medidas de padronização de preços e descrições técnicas, e até mesmo de serem publicadas matérias na imprensa alertando para o problema, a reportagem veiculada pelo Fantástico, da TV Globo, em 4/1 trouxe à tona os primeiros esforços de peso para conter essa máfia. Como anunciado pelo governo federal dias após a veiculação do programa, os próximos meses deverão contar com a articulação dos Ministérios da Justiça, da Saúde e da Fazenda para desmembrar a máfia das próteses e órteses, que só em 2013 movimentou R$ 12 bilhões.

Nos últimos anos, várias tentativas de conter tais ações antiéticas foram iniciadas. Requerimento foi enviado à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados pedindo a criação de comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar os processos da fixação de preços e distribuição de órteses e próteses. Paralelamente ao pedido de abertura da CPI, a realização de uma audiência pública resultou na Proposta de Fiscalização e Controle 174/2014, para apurar as reclamações da saúde pública e dos planos de saúde. O documento tramita na Comissão de Defesa do Direito do Consumidor.

O comprometimento do governo nessa frente é importantíssimo, não há dúvida. Mas por não ser uma tarefa fácil, o engajamento do setor - por meio de ações dos órgãos regulatórios, de entidades do setor, de operadoras de planos de saúde, de hospitais e de profissionais do segmento - torna-se tão ou mais importante que as ações do governo. É necessário que toda a cadeia do setor deixe de trabalhar com empresas cujo comportamento contamina a ética médica, as normas legais de negócios e, principalmente, a saúde de pacientes em todo o Brasil. A certeza da impunidade precisa ser abandonada definitivamente e a criminalização dessa iniciativa, posta em prática. Responsáveis têm de ser punidos. E do ponto de vista comercial, é urgente que os preços desses materiais sejam postos à disposição, tal como já é feito com medicamentos pelo Ministério da Saúde.

Infelizmente, a conduta antiética identificada na falsificação de documentos, orçamentos e licitações e o pagamento de comissões a médicos por empresas fornecedoras se enraizaram nas operações do setor por mais de uma década. Empresas fabricantes de órteses e próteses dificultam a aquisição dos equipamentos por departamentos de compras de instituições de saúde para que possam oferecê-las diretamente aos médicos. Estes, se declinam de comissões, passam a sofrer outros assédios, como convites para participar de treinamentos técnicos oferecidos fora do País. O objetivo de viagens como essas é incentivar o profissional a se especializar no manuseio de certa marca, levando-o a evitar o uso de produtos de outros fabricantes.

Quando uma operadora de planos de saúde não autoriza um procedimento superfaturado, ato contínuo se segue uma solicitação em caráter de urgência, que é, na maioria das vezes acompanhada de liminar. Em julho de 2014 o Conselho Nacional de Justiça editou 45 recomendações para ajudar os juízes na tomada de decisões sobre as ações judiciais na saúde. Com relação às órteses e próteses, recomenda-se que o juiz exija descrições técnicas nas decisões, nunca uma marca determinada. Orienta-se ainda que seja solicitada uma audiência para ouvir um médico quando houver dúvidas sobre a eficácia, a segurança e o custo-efetividade do tratamento em juízo.

Além disso, ainda em 2014 a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) tornaram disponíveis contatos e uma ferramenta de consulta a pareceres técnicos para auxiliar o Poder Judiciário, o Ministério Público e os demais agentes representativos da sociedade no acesso à informação sobre evidências científicas a respeito de procedimentos ou medicamentos requeridos em juízo em processos sobre saúde.

Com medidas como essas se busca evitar fraudes que prejudicam o sistema de saúde público e suplementar. Afinal, a prática antiética de uma minoria de profissionais põe em risco pacientes que são submetidos a procedimentos invasivos sem que haja necessidade, e resulta num prejuízo de bilhões no orçamento do governo e de planos de saúde, impossibilitando que novos investimentos sejam realizados para melhorar a qualidade e a infraestrutura da saúde no País.

Para vencer a máfia das próteses é preciso contar ainda com o auxílio dos pacientes e médicos idôneos, que são a maioria. A partir disso, nunca é demais reforçar alguns caminhos que podem ajudar o paciente a buscar mais informações sobre o tema. A Associação Médica Brasileira e o Conselho Federal de Medicina (CFM) criaram o Projeto Diretrizes, com protocolos para a conduta médica considerando diferentes situações ligadas a diagnósticos de tratamento. De acordo com o CFM, a exigência de marca ou único fornecedor para órteses e próteses não pode ocorrer. Consultas à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também podem ajudar com informações sobre a indicação de órteses e próteses. E acessando o site da ANS é possível simular a escolha de um plano de saúde conforme as necessidades do paciente, que podem incluir custos de procedimentos.

Reforçamos essas recomendações, pois, mesmo fragilizado por tratamentos difíceis e, na maioria das vezes, cansado pelos desafios enfrentados para garantir sua saúde, o paciente que busca manter-se informado é o melhor fiscal que governo e setor podem ter. Já para os profissionais éticos ficam a missão de prezar pela confiabilidade na relação médico-paciente e a constante luta pela integridade da classe, sempre.