Uma discussão sobre eventuais acordos de leniência a serem assinados por empreiteiras envolvidas no esquema investigado pela Operação Lava-Jato revelou ontem posições contraditórias entre o Tribunal de Contas da União (TCU) e outros dois órgãos: Controladoria-Geral da União (CGU) e Advocacia-Geral da União (CGU).

Em audiência na Câmara dos Deputados, o procurador da República junto ao TCU Júlio Marcelo de Oliveira defendeu que o acordo de leniência seja firmado com apenas uma empresa, pois é um incentivo ao "primeiro que delatar os comparsas" e, dessa maneira, causar insegurança na organização, no conluio. Para ele, as negociações com a CGU já atrapalham o andamento das investigações do suposto esquema de corrupção envolvendo contratos da Petrobras.

"No momento em que as empresas podem discutir com a CGU a possibilidade de fazer acordos de leniência, acordos que vão isentá-las das penas que seriam as mais efetivas no combate à corrupção - declaração de inidoneidade e proibição de ter financiamentos públicos -, elas já perdem o interesse em discutir esses mesmos acordos lá no Ministério Público Federal, que está seguindo à risca essa regra de só a primeira empresa. Já rechaçou várias propostas, pois seria necessário abrir uma nova linha de investigação, apresentar um fato novo", disse Oliveira em reunião da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle para discutir acordos de leniência.

Ele citou que a CGU já encaminhou um documento ao TCU informando que cinco empresas já negociam leniência e há informações de mais cinco acordos estarem "em vias de serem encaminhados" ao Tribunal.

O ministro da CGU, Valdir Simão, no entanto, disse que "mais de uma empresa" pode assinar esses acordos. Ele e o ministro da AGU, Luís Inácio Adams, entendem que não é necessário que a companhia apresente provas novas - em relação ao que os investigadores já detêm - para fechar as leniências. Questionado sobre o assunto, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou que a posição do governo é a mesma que a da CGU.

Para Simão, os requisitos são a cooperação da empresa nas investigações, a confissão dos atos, o compromisso de reparar integralmente os danos e que a companhia adote um programa de compliance. Ele frisou que o governo não está procurando as empresas para fechar um acordo de leniência. "Elas que se manifestam", observou. A CGU vai analisar caso a caso.

Adams também negou que a ideia é fazer um acordo generalizado com as companhias que participaram do suposto esquema de corrupção em contratos da Petrobras. "Não existe 'acordão' nenhum. Acordo é com empresa a empresas. [..] Vão poder ter a chance de tentar recuperar usa reputação perante a sociedade. Aquelas que não fizerem, vão sofrer a pena [...] Se for quebrar, vai quebrar", afirmou.

Até hoje, foram abertos já 25 processos administrativos pela CGU para apurar a participação de empreiteiras no suposto esquema de corrupção em contratos da Petrobras. Se na conclusão a companhia for responsabilizada por irregularidades, ela pode ser multada e também declarada inidônea - ficando impedida de participar de novas licitações, assinar novos contratos com órgãos da administração pública, o que inclui também Estados, Distrito Federal e municípios.

Adams defendeu cautela diante da possibilidade de empreiteiras envolvidas no escândalo revelado pela Operação Lava-Jato serem declaradas inidôneas. Para ele, isso "representa a morte da empresa e temos que olhar isso com cautela, porque essas empresas não são pessoas físicas". "Não se bota empresa na cadeia. Empresa é uma coletividade de pessoas que se associaram, bancos que emprestaram [dinheiro], pessoas que compraram bônus, fundos de pensão [que aplicaram nela], pessoas que dependem de empresa. É evidente que temos que nos preocupar", completou.

 

Governo e Justiça fecham cooperação

 

Na esteira das medidas de combate à corrupção, o governo, o Judiciário e o Ministério Público assinaram ontem um acordo de cooperação. O grupo vai trabalhar para construir propostas contra a impunidade também. As ideias, no entanto, podem depender de aprovação do Congresso Nacional. Os parlamentares nos últimos dias têm aplicado derrotas ao Palácio do Planalto, que tenta recuperar a aprovação da presidente Dilma Rousseff, principalmente, após as manifestações contra ela e a corrupção.

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse que as divergências políticas devem ser superadas para que medidas de combate a corrupção sejam implementadas. "Estamos criando uma política de Estado de combate à corrupção. [...] O Estado brasileiro unido é mais forte do que a corrupção", afirmou. O grupo vai "dar encaminhamento rápido àquilo que for objeto de consenso. Novas leis, novas ações e propostas serão encaminhadas ao Congresso Nacional".

Participam da cooperação técnica o Supremo Tribunal Federal (STF), Ministério da Justiça, Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Controladoria-Geral da União (CGU) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, falou que esse é "um sinal poderoso de que o Estado quer se organizar" para reduzir a patamares razoáveis os índices de corrupção.

O presidente do STF, Ricardo Lewandowski, informou que vai propor medidas na área "jurisdicional, legislativa e administrativa". Para ele, corrupção é um "problema de natureza cultural".