Com as receitas aquém do desejado, o governo federal decidiu reescalonar os pagamentos das despesas contraídas em anos anteriores - resultado das chamadas 'pedaladas' do ex-secretário do Tesouro Nacional Arno Augustin - para tentar viabilizar o cumprimento da meta fiscal de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB). A estratégia já surtiu efeito no resultado primário de janeiro, ao impedir um crescimento mais expressivo da despesa. O governo central - que reúne as contas do Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central - conseguiu atingir superávit primário de R$ 10,405 bilhões em janeiro. O valor é o mais baixo para meses de janeiro desde 2009 (R$ 3,977 bilhões), mas foi obtido apesar de a receita nominal ter ficado praticamente estável em termos nominais - o que significa queda real de quase 7%. Os gastos tiveram expansão de 2,8% nominais - queda real de 4%.

Com o reescalonamento, os pagamentos de investimentos, por exemplo, tiveram um recuo de 30,8% em comparação com o mesmo período de 2014, atingindo a marca de R$ 7,687 bilhões. No caso dos pagamentos do PAC, a queda chegou a 34,5%. Os desembolsos com o Minha Casa, Minha Vida também foram comprometidos (redução de 16,9%).

Para 2015, a meta de superávit primário do governo central está fixada em R$ 55,3 bilhões (1% do PIB) para 2015. Se considerados Estados e municípios, o compromisso fiscal consolidado sobe para R$ 66,3 bilhões, equivalente a 1,2% do PIB. Apesar da economia feita no mês passado, o governo central ainda está deficitário em R$ 19,9 bilhões (-0,39% do PIB) no acumulado em 12 meses. O secretário do Tesouro, Marcelo Saintive, deixou claro que novas medidas poderão ser adotadas pelo governo para garantir a meta deste ano.

"Queremos cumprir meta de superávit fiscal, meta que é da presidente Dilma, e também temos compromisso de pagamento das despesas já realizadas. A equipe econômica está comprometida a pagar despesas já feitas e também cumprir essa meta", disse o secretário. Os desembolsos serão feitos conforme o desempenho da arrecadação, ou seja, haverá um controle na "boca do caixa".

O resultado primário de janeiro "não foi o esperado, mas acho que é bem próximo do que a gente gostaria", disse Saintive. O maior impacto veio das "despesas com a Previdência, ligada ao salário mínimo". No mês passado, enquanto o Tesouro registrou superávit de R$ 16,197 bilhões, a Previdência Social e o Banco Central tiveram déficits de R$ 5,651 bilhões e R$ 140,5 milhões, respectivamente.

Questionado sobre as 'pedaladas' herdadas da gestão anterior, o secretário do Tesouro disse que "existem passivos e estamos analisando caso a caso". Ele acrescentou que tais passivos "não são coisa trivial, mas temos que aprender a lidar com eles". No caso da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), o Tesouro desembolsou R$ 1,250 bilhão no mês passado para bancar despesa contraída em ano anterior, ou seja, restos a pagar. "Esse é o último pagamento", disse Saintive, reforçando que não haverá mais recursos do Orçamento para a CDE neste ano.

O secretário afirmou ainda acreditar que o rebaixamento da nota da Petrobras feito pela Moody's, que tirou o grau de investimento da estatal, "não contamina as demais empresas [brasileiras]", porque "as agências analisam empresa por empresa". Quando questionado sobre um possível aporte do governo na Petrobras, respondeu que "não falamos sobre Petrobras aqui, isso é em outro fórum".

 

Fazenda corta R$ 57 bi em gastos não obrigatórios

 

O Ministério da Fazenda fez um corte de R$ 57,5 bilhões, o equivalente a 20,3% das despesas discricionárias do governo federal previstas na proposta orçamentária de 2015, com o objetivo de cumprir a meta de superávit primário de 1,2% do PIB para este ano. 

Em decreto publicado ontem, o teto de gastos dos ministérios para custeio e investimentos, inclusive do PAC, até abril é de R$ 75,155 bilhões. Se esse mesmo ritmo de despesa for projetado até o fim do ano, os 39 ministérios terão R$ 225,465 bilhões para gastar em 2015. 

Dados do governo sobre a proposta orçamentária em análise pelo Congresso previam que essas despesas chegassem a R$ 283,01 bilhões. Ou seja, foi feito um corte de R$ 57,5 bilhões, conforme antecipou o Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor. Do corte total, R$ 19,4 bilhões referem-se à redução dos investimentos do PAC. 

Em nota oficial, o Ministério da Fazenda não falou no percentual de corte, mas informou que o limite de gastos "sinaliza o efetivo comprometimento de todo o governo federal com a realização do ajuste fiscal necessário". 

O secretário do Tesouro Nacional, Marcelo Saintive, disse que não se trata de um contingenciamento. 

O objetivo, segundo ele, é mostrar a disponibilidade de cada ministérios nos próximos dois meses, até que o Orçamento seja aprovado. 

Os pagamentos de custeio e investimentos poderão chegar a R$ 59,980 bilhões até abril. Além disso, foram autorizados outros R$ 15,175 bilhões para as obras do PAC. No total, os ministérios terão R$ 75,155 bilhões para cobrir todas as despesas discricionárias, incluindo investimentos, no primeiro quadrimestre. 

O corte não atinge despesas obrigatórias como pagamentos de bolsas de estudo, salários e aposentadorias. O Tesouro continuará pagando integralmente esses gastos, que crescem anualmente em função, por exemplo, de reajustes no salário mínimo. 

Até agora, os ministérios setoriais tinham autorização para empenhar 1/18 das verbas para despesas discricionárias. No jargão orçamentário, isso quer dizer que os ministros trabalhavam apenas com uma promessa de pagamentos, sem autorização para realizar o saque dos recursos da conta do Tesouro Nacional. 

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) tem uma lista de 64 itens de despesas que não podem ser contingenciadas pela Fazenda. 

Estes recursos estavam e continuam fora do corte aplicado agora pela Fazenda. Mas tudo o mais que está fora da lista só vinha sendo pago por meio de uma negociação direta entre o ministério e a Fazenda. É o chamado superávit "na boca do caixa". 

Se um ministro precisasse pagar a despesa atingida pelo corte, tinha que ligar para o Tesouro Nacional e conseguir que o secretário Saintive, ou o ministro Joaquim Levy, autorizassem o que se chama de limite financeiro, que é, na prática, uma autorização de pagamentos. 

O governo funcionou assim por quase dois meses e os pedidos de mais verbas foram liberados a conta- gotas. Com o decreto publicado ontem, o governo organiza a "boca do caixa" e dispensa os ministros de pedidos pontuais. 

Sem aprovação do Orçamento pelo Congresso Nacional, o que só deve acontecer na próxima semana, o governo teria que esperar a sanção da lei em meados de março para fazer um decreto de cortes mais amplo. 

Ao antecipar esse movimento, Levy sinaliza não só um corte de R$ 57,5 bilhões em relação ao Orçamento em discussão no Congresso, mas também que os gastos discricionários, onde estão os investimentos, continuarão controlados com mão de ferro. 

O decreto publicado ontem exige que nos limites de cada ministério sejam incluídas as despesas pagas nos últimos dias de 2014, mas que só saíram do caixa do Tesouro Nacional este ano, o que reduzirá ainda mais o espaço de gastos do Orçamento deste ano. Os ministros também terão que abater do limite fixado pela Fazenda gastos como o pagamento de empréstimos feitos no exterior a organismos financeiros internacionais, como o Banco Mundial, por exemplo. 

A intenção do governo foi fechar brechas para não ser surpreendido por despesas extras. Há, por exemplo, a proibição de que os ministérios que recebem recursos de organismos internacionais em contas no exterior, uma operação típica nos ministérios militares, façam saques para pagar diretamente os prestadores de serviços fora do país. Tudo terá que ser feito com registro no país.

 

Investimento se limitou a restos a pagar em janeiro

 

O resultado do governo central em janeiro evidenciou parte da estratégia da nova equipe econômica para cumprimento da meta de superávit primário de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano.

No mês passado, os investimentos dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) caíram 34,5% em relação a igual período de 2014, para R$ 4,7 bilhões, de acordo com resultado divulgado pelo Tesouro Nacional. Considerando todas as obras do governo federal, a queda é um pouco menor, de 30%, sempre em termos nominais.

No total, foram investidos em janeiro R$ 7,687 bilhões. Desse montante, porém, apenas 0,01% - ou R$ 1,3 milhão - referem-se a despesas relativas a este ano. Esse valor ficou concentrado no Ministério da Saúde (R$ 1,25 milhão). Nenhum outro ministério pagou qualquer valor referente a investimentos deste exercício em janeiro.

As demais pastas executaram basicamente obras já iniciadas em exercícios anteriores, com pagamento de restos a pagar em um montante total de R$ 7,685 bilhões. Tradicionalmente, boa parte do investimento pago em um ano está relacionado a despesas empenhadas e executadas em períodos anteriores, porque os prazos das obras costumam ser superiores ao de um único exercício fiscal.

Ainda assim, o resultado de janeiro deste ano não deixa de ser atípico. Em igual mês de 2014, 2,4% dos pagamentos eram de despesas de investimentos do ano corrente, o equivalente a R$ 270 milhões. Naquele período, foram investidos R$ 11,1 bilhões, sendo que R$ 10,8 bilhões em restos a pagar.