Título: Alfabetizar exige mais que palavras
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Fonte: Correio Braziliense, 11/07/2011, Opinião, p. 10

Visão do Correio ::

É louvável a determinação do Governo do Distrito Federal de erradicar o analfabetismo do Distrito Federal até o primeiro semestre de 2014. A tarefa, meritória sem dúvida, não é fácil. São 65 mil pessoas com mais de 15 anos de idade que serão apresentadas ao código linguístico. Para atingir o objetivo, o governo planeja atender 10 mil pessoas por semestre em 500 turmas. Os números são espantosos.

Antes de tudo, por a capital da República conviver com essa multidão de moradores privados do direito elementar de ler e escrever. Sem a habilidade, a vida urbana se transforma em sucessão de dificuldades. Além de terem as portas do mercado de trabalho formal praticamente fechadas, eles encontram óbices até em atividades corriqueiras como locomover-se. A identificação do destino dos ônibus é feita com palavras, cuja leitura não lhes é facultada.

Informações essenciais como as que figuram em bulas de remédios e etiquetas de validade de alimentos são também inacessíveis. Mais: pesquisas comprovam que filhos de pais analfabetos têm rendimento sofrível na escola. As razões são muitas. Entre elas, o exemplo doméstico que confirma o dito de que filho de peixe, peixinho é. Também a impossibilidade de orientar as crianças nos deveres de casa. Em suma: analfabetos são cidadãos que vivem e reproduzem uma vida menor.

O DF Alfabetizado vem ao encontro das necessidades dos que precisam subir um degrau na escala social. Mas o projeto levanta dúvidas sobre a viabilidade. O calendário apresenta a primeira questão. Estamos praticamente em meados de julho. As 500 turmas previstas para este semestre estão formadas? As salas de aula organizadas? O material didático disponível? Os recursos disponíveis? Os professores prontos para começar a desvendar os mistérios do abecê?

Sem respostas claras para essas questões, corre-se o risco de as palavras não passarem de palavras. Transformá-las em ação efetiva é essencial para a obtenção de resultado. Sem medidas concretas, o Distrito Federal irá além da tese de Lampedusa. O escritor italiano dizia ser importante mudar para ficar na mesma. No caso, não ficamos na mesma. Avançamos na trilha do atraso. O estoque de analfabetos tenderá a crescer. Há que atacar eficazmente as duas pontas do processo. De um lado, a dos pais. De outro, a das crianças.