A conta pela ocupação irregular da orla do Lago Paranoá não recai somente sobre o Governo do Distrito Federal. Alguns moradores que ocupam indiscriminadamente a beira do espelho d’água respondem criminalmente pela ação. Hoje, há 420 pedidos de investigação policial feitos pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) sobre o desrespeito aos limites do reservatório. Desses, 75 chegaram à Justiça após a conclusão do inquérito, e os proprietários foram processados. Na última semana, o Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT) aceitou mais uma denúncia contra um morador da QL 12 do Lago Sul.

Ao acatá-la, o TJDFT revogou decisão tomada em fevereiro do ano passado. Na época, a 2ª Vara Criminal de Brasília não considerou a orla como área de proteção permanente (APP). A sentença teve como base o novo Código Florestal, que não a caracteriza como APP por se tratar de um lago artificial com função de abastecimento energético. O MPDFT recorreu, e a 1ª Turma Criminal decidiu a favor do órgão na semana passada, seguindo legislações anteriores. “Está claro de que não adianta o juiz dizer que não é crime porque o tribunal disse que é. As pessoas devem estar cientes de que não ficarão impunes”, afirmou o promotor de Defesa do Meio Ambiente (Prodema), Roberto Carlos Batista.

Em meio aos trâmites judiciais, as ocupações na orla do Paranoá continuam à vista de todos. Irregularidades apontadas em laudo técnico do MP em 2011 permanecem até hoje. À beira do lago, é possível identificar cercamentos e construções como atracadores, píeres, rampas de acesso e muros de arrimo, tudo para ampliar a área de lazer dos proprietários de terrenos às margens do espelho d’água. Na última denúncia aceita pelo TJDFT, o dono de uma casa na QL 12 do Lago Sul construiu píer, mureta, cabana e rampa de acesso às margens. Procurado, o morador preferiu não comentar o caso e disse desconhecê-lo.

Taxa de ocupação
Quando um caso de ocupação irregular da orla chega à Justiça, o MPDFT pode propor ao morador uma conciliação e evitar o processo criminal. O órgão não tem um levantamento de quantos proprietários aceitaram a alternativa. Existem cerca de 30 casos de suspensão do processo, mas não há como estabelecer se todos são referentes a construções ilegais. “Estabelecemos algumas condicionantes, como a reparação do dano. Se forem aceitas, o processo é suspenso, e o dono tem até dois anos para atender as exigências”, explica o promotor Roberto Carlos.

Enquanto isso, a atual situação da orla, criada com a função de proteger o Lago Paranoá, preocupa especialistas. A atividade intensa do homem pode representar risco para a qualidade da água e para a manutenção da margem, segundo o presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Paranoá, Jorge Werneck. “O perigo para o lago depende de cada caso, mas as pessoas não podem construir de forma indiscriminada. O ideal seria que essas áreas fossem recuperadas”, defende.

O professor do Núcleo de Estudos Ambientais da Universidade de Brasília (UnB) Gustavo Souto Maior reconhece que a situação está consolidada e pode ser difícil colocar em prática um processo de desocupação. “O fato é que o poder público permitiu isso, fez vista grossa. O próprio Judiciário e o Legislativo foram coniventes”, acusa. Para resolver a questão, ele propõe a retirada imediata das ocupações danosas ao Meio Ambiente e, no caso das menos impactantes, como um parquinho, sugere a análise de cada uma. “O governo poderia cobrar uma taxa de ocupação, até para ser revertida em benefícios como obras e ações para o próprio lago. Essa autorização poderia ser de caráter provisório e, caso um dia o governo resolvesse cumprir a lei, seria revogada”, sugere.

Fiscalização
Para Gustavo, a proposta seria uma forma de resolver a questão que se arrasta há anos (leia Entenda o caso). Em 2011, o GDF perdeu o processo judicial e agora deve fazer a desocupação da orla, sob pena de multa. Também deveria apresentar planos de fiscalização e recuperação. “Os documentos apresentados até agora são incompletos, não há um detalhamento de como será feita essa retirada. O juiz do Meio Ambiente encaminhou o processo para o setor de conciliação a fim de tentar resolver alguns pontos, ainda que seja parcial”, completa o promotor.


Entenda o caso

Omissão e atraso

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) entrou com uma ação civil pública contra o governo local em 2005 alegando omissão na fiscalização para evitar as ocupações na orla do Lago Paranoá. No processo, o órgão argumentou que “os trechos da orla do Lago Paranoá são indispensáveis para a proteção de várias espécies de mamíferos da Fauna silvestre brasileira, de aves, de anfíbios e répteis, muitos dos quais ameaçados de extinção no Brasil”. A sentença determinando a recuperação da área de preservação permanente saiu em 2011, mas somente dois anos depois transitou em julgado. A Justiça determinou multa diária de R$ 5 mil caso o GDF não apresentasse em 120 dias um cronograma de fiscalização e de desocupação da área, além de um plano de recuperação da orla do espelho d’água. No ano passado, em uma nova tentativa, o MPDFT deu novo prazo para a apresentação, recebeu o documento, mas o considerou cheio de falhas.


O que diz a lei

» A Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, trata das sanções penais e administrativas para condutas e atividades lesivas ao Meio Ambiente. As penas podem variar de acordo com a gravidade da ação, com as consequências para a saúde pública e para o Meio Ambiente, com os antecedentes do infrator e com a situação econômica dele, em caso de multa. As punições possíveis são: prestação de serviços à comunidade, como tarefas em parques e jardins; interdição temporária de direitos, o que impediria a participação em licitações ou o recebimento de algum tipo de benefício do governo; e multa. Alguns fatores, no entanto, podem agravar a pena dos envolvidos nesses casos, como reincidência nos crimes de natureza ambiental, em unidade de conservação ou em período de defeso à Fauna.