O primeiro mandato de Dilma Rousseff está prestes a terminar com um legado desastroso para as contas públicas. Dados divulgados ontem pelo Tesouro Nacional e pelo Banco Central comprovam que a presidente não se conteve na gastança, o que desestruturou toda a economia, pois jogou a inflação para o teto da meta, de 6,5%, obrigou o Comitê de Política Monetária (Copom) a aumentar os juros e destruiu a confiança de empresários e consumidores.

Somente em novembro, o governo central - que inclui BC, Tesouro e Previdência Social -, registrou rombo de R$ 6,7 bilhões, o pior resultado para o mês em 17 anos. No acumulado do setor público, que considera estados, municípios e estatais, o deficit atingiu R$ 8,1 bilhões, valor sem precedentes para novembro desde 2001, quando começou a série histórica da autoridade monetária. O quadro é tão assustador que, no acumulado do ano, o governo central registra um buraco de R$ 18,3 bilhões e o consolidado do setor público, de R$ 19,6 bilhões.

Ao que tudo indica, ressaltaram os especialistas, o país fechará 2014 no vermelho, fato que não se vê há uma década e meia. "Não dá para acreditar em um superavit de R$ 10 bilhões no ano, como está previsto no Orçamento da União", destacou Flávio Serrano, economista sênior do Besi Investimentos. No entender dele, diante do rombo acumulado até agora, será quase impossível revertê-lo em apenas um mês.

Com isso, aumenta o risco de o Brasil ser rebaixado pelas agências de classificação de riscos ao longo de 2015, processo que encarecerá - e muito - a captação de recursos por empresas brasileiras no exterior. Essas operações já estão restritas devido à corrupção que está destruindo a Petrobras. "O quadro fiscal é muito preocupante", disse Gabriel Leal de Barros, da Fundação Getulio Vargas (FGV). Não sem razão.

Como o governo sequer consegue poupar recursos para pagar juros da dívida, o deficit nominal totalizou, entre janeiro e novembro, R$ 283,8 bilhões, o equivalente a 6,06% do Produto Interno Bruto (PIB), o dobro da média computada entre os países emergentes. Em 12 meses, o buraco atingiu R$ 297,4 bilhões, ou 5,82% do PIB, o maior nível desde setembro de 2003. Logo que tomou posse, Dilma, por meio de seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, prometeu zerar o deficit nominal. Mas, em vez disso, dobrou o tamanho do rombo.

Fundo Soberano

Para os analistas, diante do que se está vendo, o futuro ministro da Fazenda, Joaquim Levy, terá um trabalho enorme para reequilibrar as finanças públicas. Ele mantém, contudo, a promessa de entregar a meta de superavit primário de 1,2% do PIB em 2015, correspondente a R$ 66 bilhões. Além de afiar a tesoura para cortar gastos, o novo chefe da equipe econômica terá que elevar impostos, o que punirá empresários e consumidores. "Não por acaso, o ajuste nas contas públicas terá de ser gradual. Temos um deficit grande, que provocou solavancos na economia", afirmou Leal de Barros.

A situação está tão ruim que nem as maquiagens e os truques contábeis realizados pelo secretário do Tesouro, Arno Augustin, têm surtido efeito. Ele, por sinal, minimizou ontem os números desastrosos das contas públicas. Disse que ainda será possível o governo fechar o ano com saldo positivo, mas bem longe da promessa inicial de R$ 80 bilhões. "Teremos resultado positivo de dois dígitos em dezembro", afirmou. "Mas é preciso esperar o fechamento do ano para vermos o saldo final", ressalvou, justificando que a culpa pelo expressivo rombo do mês passado foi do pagamento de R$ 6 bilhões em precatórios.

Augustin destacou que a previsão do Tesouro é não recorrer aos R$ 3,5 bilhões do Fundo Soberano para fechar as contas. Mas, certamente, terá de fazê-lo para evitar o vexame de entregar um deficit primário. "É preciso ressaltar que o resultado de 2014 é uma exceção", assinalou. Para o chefe adjunto do Departamento Econômico do BC , Fernando Rocha, o péssimo resultado fiscal foi fruto do baixo crescimento da economia. "O fraco ritmo da atividade derrubou as receitas oriundas de impostos", sentenciou.

Na avaliação do mercado, o governo abusou do direito de errar. Gastou demais, brincou com a inflação e interveio demais na economia. Por isso, o crescimento pífio da economia. "O risco de 2014 fechar o ano com deficit é grande", ressalvou Flávio Serrano. Segundo o especialista em contas públicas da Tendências Consultoria Bruno Lavieri, a sinalização, pela futura equipe econômica, de um maior rigor fiscal em 2015 dá algum alívio aos investidores. "A mudança de postura é importante, mas ainda precisamos esperar a divulgação dos dados do ano que vem para ficar claro se haverá uma gestão mais transparente do recursos públicos. Todas as expectativas podem ser destruídas se a criatividade contábil persistir", alertou.

Despesas disparam

As promessas do governo de terminar o ano com superavit primário de R$ 10,1 bilhões esbarram no crescimento desenfreado das despesas. Relatório apresentado ontem pelo Tesouro Nacional mostra que o ritmo de crescimento dos gastos é seis vezes maior do que o das receitas, que apresentaram, segundo o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, comportamento atípico em 2014.

Entre janeiro e novembro, os gastos totais do governo central (Tesouro, Previdência Social e Banco Central) atingiram R$ 933,1 bilhões ante os R$ 827,7 bilhões de igual período de 2013 - um avanço de 12,7%. Já as receitas avançaram apenas 2,8%, passando de R$ 890,3 bilhões, no ano passado, para R$ 914,7 bilhões nos 11 primeiros meses de 2014. "O governo gasta mal, de maneira ineficiente e acaba pressionando os preços. Resultado: a economia cresce muito pouco e a inflação se mantém em patamares elevados", afirmou o economista sênior do Besi Investimentos, Flávio Serrano. "A situação é dramática", admite.

Nem mesmo as promessas de um arrocho fiscal no ano que vem são suficientes para que os analistas acreditem na inversão das trajetórias de despesas e receitas. "As receitas só voltarão a aumentar quando a economia retomar o crescimento sustentado", disse o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas. Ele destacou que não se surpreendeu com a piora substancial das contas públicas. "Com as despesas aumentando no ritmo atual, não poderia ser diferente. Agora, a nova equipe econômica terá que fazer o país crescer, para que as receitas avancem", acrescentou.

Férias de Arno
A retomada do crescimento da economia passa, porém, pela reconstrução da confiança entre empresários e investidores. "Vamos ver se a nova equipe conseguirá entregar o prometido superavit primário de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB)", ressaltou Gabriel Leal de Barros, da Fundação Getulio Vargas (FGV). Para ele, o governo tem feito promessas demais e cumprido de menos. Todos os anos assume uma meta de economia para o pagamento de juros da dívida, mas sempre entrega números piores.

Além dos números, os analistas acompanham, com total atenção, o nome que será indicado pelo futuro ministro da Fazenda, Joaquim Levy, para o comando do Tesouro Nacional, que ficará responsável por tocar o prometido arrocho fiscal em 2015. Ontem, o atual secretário, Arno Augustin, conhecido como o maquiador da Esplanada dos Ministérios, afirmou que está deixando o governo. Para alívio do mercado, garantiu que não irá para a presidência da hidrelétrica de Itaipu. "Vou tirar férias na praia", garantiu. (BN e AT).