Título: O Brasil do atraso
Autor: Caprioli, Gabriel ; Ribas, Sílvio
Fonte: Correio Braziliense, 27/06/2011, Economia, p. 7

Apesar das conquistas dos últimos anos, país mantém olhos fechados para problemas cruciais, como a enorme carga tributária e a infraestrutura deficiente, que podem inibir o crescimento

No topo das preferências dos grandes investidores estrangeiros, o Brasil das oportunidades está escancarando problemas que reluta em enfrentar. O crescimento da economia, a redução das desigualdades e a melhora do padrão de vida da população vêm trombando com um país cheio de gargalos, que todos veem, mas poucos se dispõem a superá-los. Seis meses praticamente se passaram do governo de Dilma Rousseff e tudo continua na mesma: estradas, portos, ferrovias e aeroportos precários, taxas de juros elevadíssimas, falta de mão de obra qualificada, carga tributária pesada e injusta e baixos investimentos públicos. É esse Brasil do atraso que pode travar a continuidade do desenvolvimento a taxas acima de 4% ao ano e manter latente o dragão da inflação.

"O país está estrangulado. Isso é termômetro da falta de uma agenda clara do governo, que está demonstrando falta de capacidade para formular e implantar políticas públicas para resolver os gargalos", diz o economista-chefe do Banco WestLB, Roberto Padovani. Para ele, a recente decisão de privatizar os maiores aeroportos brasileiros é um sintoma da falta de projeto de desenvolvimento consistente, pois a então candidata Dilma havia garantido, durante a campanha, que isso não aconteceria. A deficiência do setor, combinada à escassez de recursos públicos, obrigou a presidente a tomar um choque de realidade.

Ainda que a mudança de posição tenha ocorrido tarde, seria um avanço, não fosse ela um fato isolado em um quadro de extrema ineficiência. Nas poucas vezes em que o governo sinalizou que agirá no sentido de pôr o país nos trilhos da modernidade, tudo não passou de promessas. A mais recente delas tem como alvo o estrangulado setor portuário do país. Segundo o Palácio do Planalto, para incrementar o comércio exterior e reduzir os custos operacionais, a construção e a gestão de 45 portos serão entregues à iniciativa privada. "Infelizmente, precisamos muito mais. Além da pequena capacidade para receber embarcações, os portos se ressentem da falta de silos para armazenagem de mercadorias. Perde-se muito tempo no carregamento e na descarga por falta de investimentos", afirma o presidente da seção de Transporte de Cargas da Confederação Nacional de Transporte (CNT), Flávio Benatti.

É por essa razão que o economista Fábio Giabiangi, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), não esconde seu ceticismo. "O estado de graça acabou no fim do ano passado. Os problemas que estão aparecendo ¿ e assustando ¿ deverão persistir", avisa.

Qualificação

Para um país que é apontado, em todas as pesquisas, como uma das cinco maiores potências econômicas do mundo nas próximas duas décadas, o tempo é vital. Na avaliação de Giambiagi, a situação está tão crítica que o descaso do passado, de administrações que não se preocuparam com a melhora da educação, faz agora o Brasil se deparar com um apagão da mão de obra ¿ a falta de profissionais mais habilitados e capazes para executar as funções exigidas pelas empresas pressionadas por maior produtividade. Para o economista, esse problema ficará mais nítido a partir de 2013, com a consolidação da situação de pleno emprego, configurada por uma taxa de desocupação próxima de 5% (hoje está em 6,4%).

Nesse momento, a ausência de trabalhadores qualificados voltará a pressionar a inflação, pois os salários tenderão a subir além do desejável e os custos arcados pelas empresas serão repassados aos consumidores. O resultado disso poderá ser uma nova rodada de aumento dos juros pelo Banco Central e nova trava no crescimento. A previsão do mercado em geral é de que o país avance a taxas de 4% em 2011 e 2012.

Efeito cruel

O apagão da mão de obra deve causar, de imediato, um efeito cruel. A grande mobilidade social dos últimos anos, que alçou os mais pobres às classes C e D, tenderá a caminhar a passos mais lentos. Os menos escolarizados terão dificuldade para se colocarem no mercado por causa da sofisticação do processo produtivo e das exigências dos empregadores, avalia o demógrafo Haroldo Torres, da Consultoria Plano CDE. "Não se recupera a ausência de anos de escola da noite para o dia", acrescenta a antropóloga Luciana Aguiar.

"O fato é que o governo deveria controlar os gastos correntes para sobrar dinheiro e aumentar o investimento público. Em vez de comprar clipes, deveria construir estradas"

Roberto Padovani, economista-chefe do Banco WestLB