O atraso de metade dos estudantes brasileiros na conclusão do ensino médio — como mostrou o levantamento do movimento Todos pela Educação (TPE) ontem — se reflete em todo o período escolar. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), ligado ao Ministério da Educação (MEC), mostram que 8,5 milhões de alunos — 6,1 milhões da etapa fundamental (21%) e 2,4 milhões do nível médio (29,5%) — estão fora da série correta, segundo a idade. No total, são 22,9% dos estudantes com atraso de dois anos ou mais no fluxo regular de ensino no Brasil.

Quando comparados os índices das escolas públicas e privadas, o drama é ainda maior. Enquanto o atraso no ensino fundamental atinge 5,6% dos alunos da rede particular, nas instituições mantidas pelo Estado afeta 23,7%. No ensino médio público, o número de estudantes fora da sala compatível com a idade é de 782,4 mil (32,6%), contra 182 mil (7,6%) na rede paga, de acordo com os dados do Inep referentes a 2013. Os números mostram ainda relevantes distorções regionais (veja quadro). Na avaliação de especialistas, melhorar a educação, desde os primeiros anos, é fundamental para diminuir a taxa de atraso — e de evasão associada a ele — na conclusão do ensino básico. 

“O problema central do ensino médio começa nos anos finais do ensino fundamental (do 6° ao 9° ano)”, alerta o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara. Segundo o especialista, embora os fatores que levam à repetência e até ao abandono escolar possam estar presentes em qualquer etapa, é necessário dar mais atenção na reta final do ciclo básico. “Para alguns, a trajetória é determinada nos anos iniciais. Outros vão dizer que é na educação infantil. Mas o desinteresse eclode no ensino médio. Faz-se um trabalho muito dedicado no início, mas se esquece da educação básica.”

Para a especialista do Departamento de Métodos e Técnicas da Universidade de Brasília (UnB) Estella Maris Bortoni, investir na proficiência e na autonomia do estudante para a leitura pode tirá-lo das estatísticas da repetência e do atraso escolar. “As escolas se dedicam pouco à questão de ensinar a ler com compreensão. Quem lê sem compreensão dificilmente lê para adquirir conhecimento”, pontua a professora de linguística. Segundo ela, capacitar professores no quesito é uma das ações para melhorar a educação como um todo. “É preciso aceitar a ideia de que a leitura não é espontânea. A fala, sim, é natural, mas a leitura se aprende.”

“De fato, o problema é mais sério ainda. A população brasileira sofre de deficiência cognitiva. Dados revelam que 79% dos brasileiros adultos têm dificuldade de ler e entender um manual de liquidificador, por exemplo”, complementou o mestre em educação Afonso Celso Danus Galvão, reitor da Universidade Católica de Brasília. “O Brasil sofre de roubo cognitivo. O que é um país sem a capacidade de resolver seus problemas? É essa crise educacional que nós vivemos”, pontuou.

"Demagogia"
Para Celso, o país “vive uma grande demagogia educacional”. “E isso é vergonhoso, não me conformo. Fala-se em qualidade na educação, mas ninguém define o que é qualidade na educação, quais são os modelos. Então, o discurso é idealizador, mas pouco prático”, criticou. “Seria preciso analisar como se educa em países como a Coreia, a Finlândia, o Canadá, a Áustria.” 

Nos dados revelados ontem pelo Todos pela Educação, com base na Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (Pnad) de 2013, além do problema do atraso na conclusão das séries, a taxa de 54% que conseguiram finalizar o ensino médio até os 19 anos se mostrou abaixo do índice de 63,7%, estabelecido pela entidade como uma das metas a serem atingidas até 2022, em um esforço conjunto para garantir o direito à educação de crianças e jovens no país.


Distorção
Confira a proporção de alunos com 
dois anos ou mais de atraso escolar:
•No ensino fundamental
Brasil (total): 21%
Rede pública: 23,7%
Rede privada: 5,6%

Por região
Norte: 31,3%
Nordeste: 28,9%
Sudeste: 14%
Sul: 16,2%
Centro-Oeste:17,9%


•No ensino médio
Brasil (total): 29,5%
Rede pública: 32,6%
Rede privada: 7,6%

Por região
Norte: 45,2%
Nordeste: 39,4%
Sudeste: 21,6%
Sul: 22,6%
Centro-Oeste: 29%
Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), com dados de 2013.