Exato um ano e oito meses depois da histórica invasão do plenário da Câmara, em 16 de abril de 2013, os índios voltaram ontem a entrar para os anais do Congresso Nacional. A lembrança será um tanto amarga para o policial militar que teve o pé atingido por uma flecha, numa reação ao gás de pimenta disparado na tentativa de conter uma turba indígena furiosa, que tentava entrar à força na sede do Poder Legislativo. A razão da raiva pataxó, guarani e dos povos de outras etnias é a mesma de 2013: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que inclui o Congresso na análise das demarcações de terras. Marcada para ser votada ontem, a medida acabou tendo a apreciação adiada. Seis índios acabaram presos por suposta tentativa de homicídio.

O grupo de 100 índios que veio a Brasília com a missão de barrar a PEC 215 começou os protestos de ontem na Praça dos Três Poderes, em frente ao Palácio do Planalto. Pouco depois do meio-dia, em grande correria, cocares, arcos, flechas e burdunas foram levados até o Anexo II da Câmara dos Deputados. Desguarnecida, a entrada do prédio contava com poucos homens, um deles o policial atingido pela flechada na botina. Dentro do edifício, profissionais da imprensa e assessores que passavam próximo ao local da tentativa de invasão bateram em retirada, em parte repelidos pelo efeito do gás de pimenta, em parte movidos por medo dos corpos pintados para a guerra.

Discussão
Pouco tempo depois do arroubo indígena, a Comissão Especial que votaria o relatório do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) sobre a PEC 215 foi cancelada, sem quórum. A expectativa é de que, com o possível apoio do presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), o colegiado volte a se reunir hoje. Os índios já avisaram que não arredam pé enquanto a matéria não cair.

O deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), que é favorável à PEC, se queixa da condução dos trabalhos pelo presidente da comissão especial, Afonso Florence (PT-BA), contrário à proposta. “Ele está tentando novamente anular a sessão. Só que ele não tem poder para isso. Se acontecer, é uma manobra. Nós temos a maioria, e a maioria quer que instale a comissão e que vote o relatório”, protestou. Leitão e outros deputados alegam já ter reunido as assinaturas de um terço dos integrantes da comissão, o que permitiria a convocação da reunião para amanhã, independentemente das “manobras” de Florence.

Florence, por sua vez, alega que a convocação sem o aval dele, como ocorrido na semana passada, é que se configura uma “manobra regimental”. “Eles apresentaram um requerimento para mim, e eu indeferi, pela manhã. Eles apresentaram outro, pedindo a reunião durante a tarde, e eu indeferi novamente. E aí eles foram ao presidente Henrique Eduardo Alves tentar com ele, atropelando o regimento.”

Por volta das 15h, quatro índios foram presos, nas imediações do Ministério da Justiça, quando a situação estava mais calma devido a um reforço policial. “Enquanto descíamos da van, próximo ao MJ, a PM correu em cima, com raiva, e botou os quatro no camburão”, disse um integrante da comitiva que se encontraria com o ministro José Eduardo Cardozo. O terena, o guarani e os dois pataxós capturados foram levados ao Departamento de Polícia Especializada, onde permaneciam até o fechamento desta edição. Eles e outros dois índios presos à noite, por volta das 21h, deverão responder por tentativa de homicídio pelas agressões contra os PMs quando tentavam invadir a Câmara.

Eles apresentaram um requerimento para mim, e eu indeferi, pela manhã. Eles apresentaram outro, pedindo a reunião durante a tarde, e eu indeferi novamente. E aí eles foram ao presidente Henrique Eduardo Alves tentar com ele, atropelando o regimento”
Afonso Florence (PT-BA), presidente da comissão especial da PEC 215

Bolsonaro processado
O Conselho de Ética da Câmara abriu ontem processo disciplinar contra o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), acusado de quebrar o decoro parlamentar ao dizer que só não estupraria a deputada Maria do Rosário (PT-RS) “porque ela não merece”. Em razão do fim do ano legislativo, o caso deve ser tratado em 2015, a menos que uma nova representação dos partidos seja feita. Maria do Rosário também protocolou ontem no Supremo Tribunal Federal uma queixa-crime por injúria e calúnia contra o parlamentar, além de denunciar Bolsonaro no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios por danos morais.

 

 

Últimas votações

 

 

A Câmara concluiu ontem a aprovação, em primeiro turno, da PEC do Orçamento Impositivo (PEC 358/13), que obriga o governo a pagar as emendas dos parlamentares aprovadas pelo Congresso no orçamento anual. Apesar do empenho, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), não conseguiu acordo para quebrar o prazo de cinco sessões e apreciar a matéria em segundo turno. Foram contrários o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) e o PSol. Também foi aprovada a manutenção dos 192 cargos de natureza especial (CNEs) criados ao longo da legislatura para atender novos partidos.

O dia foi marcado por intensa negociação entre PT, PDT, Pros e PC do B, com o objetivo de oficializar hoje a candidatura do petista Arlindo Chinaglia (SP) para disputar a presidência da Câmara. O bloco de apoio ficou acertado ontem durante um almoço que reuniu líderes das legendas. Nos bastidores, o PT continua negociando com mais três legendas: PR, PSD e PP. “A expectativa é muito positiva”, disse o vice-líder do PT Paulo Teixeira (SP). A união pela candidatura de um nome do PT é uma reação dos partidos por não terem sido procurados oficialmente pelo líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), favorito na disputa pela presidência.

Senado
O texto-base do novo Código de Processo Civil (CPC) foi aprovado ontem no Senado. Os parlamantares buscam dar mais agilidade à tramitação de ações civis na Justiça, como reintegrações de posse e pagamentos de pensões alimentícias. Uma série de alterações à versão aprovada ontem pelos senadores deverá ser votada na manhã de hoje. Depois disso, a matéria poderá seguir para a sanção presidencial.

Gestado por um conjunto de juristas, o novo CPC traz propostas como a aplicação de multa para quem dificultar a tramitação de processos com recursos protelatórios, a exigência de audiências conciliatórias antes do início das ações e a obrigatoriedade de julgamento de causas por ordem cronológica.