O consumo do governo foi o principal responsável por tirar o país da recessão técnica e alavancar o ainda fraco crescimento de 0,1% registrado no terceiro trimestre. Ao contrário dos demais setores da economia, que botaram o pé no freio, o governo abriu as torneiras no período que antecedeu as eleições, e a rubrica cresceu 1,3% em relação ao trimestre anterior. Na última década, a participação dos gastos da administração pública no Produto Interno Bruto (PIB) só cresce. Há 10 anos, essas despesas representavam 19,2% do PIB. No ano passado, já alcançava 22%. 

A aceleração do consumo do governo gera efeitos colaterais na economia, como o recuo do investimento privado e o risco de aumento da inflação, à medida que a demanda cresce. No último relatório primário do Governo Central (formado por Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social), divulgado na quarta-feira passada, as despesas públicas registravam crescimento duas vezes maior do que as receitas. 

"O resto da economia está muito ruim ainda. Então, o governo acaba tendo que contribuir para tornar a situação menos pior. O problema é que se gasta muito, de forma errada, e não há mudanças estruturais. É como se o país estivesse tomando um remédio que alivia a dor, mas que, ao mesmo tempo, é responsável por causar o problema", exemplificou o analista econômico Alcides Leite. 

Com as despesas avançando muito mais que a arrecadação, a realização de superavit primário (a economia que o governo faz para pagar os juros da dívida) fica ainda difícil. Não à toa, o Tesouro fechou as contas no vermelho por cinco meses consecutivos. A situação coloca em xeque a credibilidade do país ante as agências de classificação de risco. Há alguns meses, elas já ameaçam rebaixar o grau de investimento brasileiro. O Palácio do Planalto teve, este ano, que encaminhar um projeto para o Congresso Nacional na tentativa de revisar a meta do superavit primário diante da impossibilidade de cumpri-la. 

Eleições 
O professor Antonio Carlos Porto Gonçalves, especialista em macroeconomia da Fundação Getulio Vargas (FGV), lembra que, tradicionalmente em anos de eleição, é comum que os gastos da administração pública aumentem. "Com o passar das eleições e a nomeação da nova equipe econômica, essa trajetória tende a decrescer. Mas isso deve acontecer lentamente, porque o governo tem projetos que não podem ser interrompidos e compromissos políticos. A nova equipe não vai fazer milagre", disse. 

Na quinta-feira, o Planalto divulgou os nomes que comporão a nova equipe econômica: Joaquim Levy, no Ministério da Fazenda, e Nelson Barbosa, no Ministério do Planejamento. Mais ortodoxos, os novos ministros se comprometeram com um corte geral de gastos, justamente o contrário do que foi feito no atual mandato. "A dúvida é até que ponto a presidente Dilma vai aceitar essa mudança. Agora, ela não tem alternativa, mas à medida que a situação for melhorando, pode ser que a presidente queira retomar o comando da economia de novo", emendou Leite.

 

 

Ministro em silêncio

 

 

O ainda ministro da Fazenda, Guido Mantega, não quis comentar ontem o fraco resultado do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre, divulgado mais cedo. Em São Paulo desde quinta-feira e sem agenda oficial, ele evitou fazer as considerações de costume. Segundo fontes da Fazenda, Mantega se recusou a dar entrevista para não ser confrontado pela nova equipe econômica, que assumirá tão logo a Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) for aprovada. A aprovação do texto está prevista para a próxima terça-feira e está atrasada há quatro meses. 

Com Mantega ausente e sem seu sucessor ter assumido, uma antiga tradição foi quebrada: ninguém assinou a nota oficial sobre o desempenho da economia, divulgada ontem pelo Ministério da Fazenda. O comunicado avaliou que o crescimento de 0,1% do PIB de julho a setembro em comparação com o trimestre anterior mostrou um processo de recuperação, "ainda que modesto". E destacou a expansão de 1,7% da indústria e de 1,3% dos investimentos produtivos como fundamental para que "o crescimento econômico se acelere e tenha sustentação ao longo do tempo". 

O texto fez ainda referência ao baixo desemprego no país e à melhora do crédito, embora com ressalvas. "O crédito começa a dar sinais de melhora, mas ainda está aquém do necessário para levar a taxa de crescimento do consumo das famílias para uma situação de normalidade", sublinhou. A nota conclui reafirmando um verdadeiro mantra do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. "O país conta com fundamentos macroeconômicos sólidos e tem todas as condições para apresentar no quarto trimestre e em 2015 crescimento mais intenso", observou.

 

Superavit anêmico

 

Embora tenham voltado a apresentar resultado positivo em outubro, depois de cinco meses seguidos no vermelho, as contas do setor público continuam com desempenho sofrível. Segundo o Banco Central, o resultado consolidado de União, estados, municípios e empresas estatais apontou para um superavit primário de R$ 3,73 bilhões, no mês passado. O valor, que corresponde à economia que precisa ser feita para garantir o pagamento de juros e evitar o crescimento da dívida pública, foi o mais baixo para o mês desde 2002, quando teve início a série histórica. 

O governo havia se comprometido a alcançar saldo positivo de R$ 99 bilhões em 2014, mas, de janeiro a outubro, acumulou deficit de R$ 11,55 bilhões. Diante da impossibilidade de honrar o compromisso, o Executivo encaminhou ao Congresso proposta de mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para ficar desobrigado de atingir qualquer meta. 

No último relatório bimestral de receitas e despesas, os ministérios da Fazenda e do Planejamento estimaram que o ano terminará com superavit de R$ 10,1 bilhões, o que é considerado pouco provável por analistas financeiros. 

A fragilidade fica mais evidente quando se consideram as despesas com juros, para calcular o chamado resultado nominal. Nesse caso, houve deficit de R$ 17,78 bilhões em outubro. No ano, o rombo é de R$ 242,21 bilhões, valor que corresponde a 5,71% do PIB.