As companhias aéreas travam nos bastidores do Congresso uma disputa em torno da medida provisória (MP) 652, que cria o subsídio à aviação regional. Por pressão das companhias, foi retirado do texto original o limite de 60 assentos que poderiam ser subsidiados por aeronave. O relatório da MP, que deverá ser votado hoje na comissão mista que analisa o tema, afirma que o governo vai ajudar a arcar com o custo de metade dos lugares em cada voo, independentemente da capacidade do avião. A mudança colocou em campos opostos a Azul, que seria a mais beneficiada com a proposta original por ter uma frota de aviões menores (de até 120 lugares) e Gol e TAM, que poderão disputar esse nicho do mercado com aeronaves maiores (Boeing e Airbus, com 200 assentos). A medida pode prejudicar a Embraer, que fabrica jatos regionais de médio porte.

Segundo fontes ligadas às empresas, a retirada do limite de assentos a ser subsidiado é um pleito das companhias maiores, que enviaram representantes ao Congresso. A Azul disse que, caso a mudança seja mantida, deixará de voar para 20 cidades, como São José dos Campos, Araraquara, Macaé e destinos nas regiões Norte e Centro-Oeste. O presidente da companhia, Antonaldo Neves, disse que a Azul terá de comprar aviões maiores e, por isso, deverá rever o plano de expansão da frota, podendo cancelar o pedido feito à Embraer de 30 aeronaves E2, no valor de US$ 1,87 bilhão. A Azul utiliza aviões fabricados pela Embraer e ATRs.

Por enquanto, o governo prefere deixar a questão com o Congresso, mas a presidente Dilma Rousseff ainda pode vetar a alteração. Segundo o presidente da Azul, todo o plano de negócios da empresa foi elaborado com base no programa de estímulo ao desenvolvimento da aviação regional. Eventuais mudanças ou mesmo a perda de validade da MP - o que pode ocorrer no próximo dia 24 - vai exigir a revisão da estratégia da companhia. Ele disse que os voos de São José dos Campos para o Santos Dumont e de Araraquara para a capital paulista serão paralisados em meados de dezembro, de forma definitiva. E ameça reduzir as frequências em Belo Horizonte e Montes Claros. Neves explicou que Gol e TAM ficam em vantagem, pois terão assegurados subsídios para cem lugares em cada voo, enquanto que a Azul teria para 60:

- Prefiro comprar um avião maior e fazer menos frequência. Quem vai perder é o cidadão, que terá menos alternativa de voos. Isso é querer virar a mesa depois do jogo terminado.

A Embraer afirmou ontem que não houve cancelamentos de pedidos por parte da Azul. Em nota, disse que o "custo de se utilizar um avião de maior porte nessas rotas será bem mais elevado, pois as aeronaves voarão com uma grande quantidade de assentos vazios, aumentando a necessidade de apoio para que sua operação seja economicamente viável".

Só 30 aeroportos recebem avião grande

Porém, hoje, cerca de 30 dos 270 aeroportos incluídos no plano de aviação regional têm capacidade para receber Boeings e Airbus. Mas, segundo a Secretaria de Aviação Civil (SAC), esse número pode chegar perto de cem com a execução do plano da aviação regional, que prevê investimentos na infraestrutura dos terminais.

O relator da MP, senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), justificou que o Congresso não pode aprovar uma lei para beneficiar uma só empresa. Para ele, não cabe ao poder público restringir o tipo de aeronave autorizada a receber o subsídio. No relatório, citou que manter a restrição seria uma "afronta aos princípios constitucionais da impessoalidade e da livre iniciativa".

- Não podemos privilegiar a Azul porque ela usa os aviões da Embraer - afirmou.

Já o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), membro da comissão mista, disse que é um equívoco não limitar o número de assentos. Para ele, a aviação regional precisa de aeronaves de menor custo:

- Precisamos fixar critérios para evitar desperdício de dinheiro público.

Para Elton Fernandes, professor de Engenharia de Produção da Coppe/UFRJ, o barulho criado em torno da MP tem a ver com o Lobby das empresas, numa tentativa de garantir benefícios de acordo com o perfil de suas frotas e operações:

- A mudança na regra para subvenção de assentos permite maior participação de TAM e Gol, que não têm aeronaves de pequeno porte. Elas padronizaram as frotas com aviões da Airbus e da Boeing. A Azul reagiu. Ela seria a maior beneficiária da proposta anterior, por ter a frota mais adequada para atuar na aviação regional.

O problema do plano, afirmou ele, está na falta de coordenação:

- Os aeroportos centrais estão estrangulados, sem espaço para absorver tráfego para cidades menores. Além disso, os concedidos à iniciativa privada têm outorgas caras e precisam garantir rentabilidade. E o avião pequeno não ajuda nisso. Para atuar em todos os segmentos, as companhias precisam ter frotas complementares. Com uma frota padronizada, perdem flexibilidade operacional.

O relatório da MP fixa em 20% o limite de recursos do Fundo Nacional de Aviação Civil a serem utilizados na concessão de subsídios às empresas. O programa valerá por dez anos, contemplando aeroportos que movimentem por ano 600 mil passageiros e 800 mil (Amazônia Legal), com isenção de tarifas aeroportuárias.

gol diz esperar definição

Em nota, a Gol, que opera em 24 aeroportos regionais do país, afirmou que "aguarda uma decisão sobre o plano para estudar a possibilidade de operar em outras localidades do interior do país".

A TAM, por outro lado, garante que, independentemente do plano, pretende ampliar sua atuação regional gradualmente a partir de 2015. Para Claudia Sender, presidente da companhia, a mudança na regra para subvenção de assentos não deixa de beneficiar pequenas empresas e aeroportos nem garante vantagem para quem opera com grandes aeronaves:

- O subsídio não viabiliza uma operação onerosa. Quem usar a aeronave correta, vai ter melhor resultado.

Procurada, a Avianca não respondeu. Já a assessoria da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) informou que não se manifestaria sobre a MP, devido ao fato de representar empresas com interesses distintos.

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“Avião grande não conpensa”

Claudia Sender

RIO - A TAM defende o uso de aviões adequados a cada rota para garantir rentabilidade. E planeja expansão gradual na aviação regional a partir de 2015, afirmou Claudia Sender, presidente da companhia. Ela acredita que o subsídio que será concedido pelo governo às empresas aéreas atuando no segmento não viabiliza operações onerosas, afastando o argumento de que a retirada do teto de até 60 assentos por avião para atuar na área beneficiaria quem opera com grandes aeronaves.

A TAM participa das discussões sobre o plano do governo?

Desde o início, sempre pelos canais formais de discussão. Nós acreditamos na aviação regional, que está crescendo mais que as rotas troncais (principais). Além disso, é a origem da TAM. Hoje, operamos em 11 aeroportos regionais e em 42 do país, no total. Vamos aprofundar essa atuação, independentemente do subsídio oferecido pelo governo. Quando falamos em novos mercados, nós nos perguntamos qual o avião correto para aquela operação. Olhando estrategicamente, tem de ser financeiramente viável.

O subsídio oferecido pelo governo facilita a operação?

Sempre defendemos que a prioridade fosse atacar os custos e não compensar na receita. É preciso oferecer infraestrutura adequada e estimular desoneração de custos. Como a medida contempla o subsídio, ele tem de ser isonômico e estimular a eficiência. A nova proposta traz mais isonomia e fará as empresas buscarem operações mais eficientes. Por outro lado, não prejudica o mercado. Todas as aeronaves e aeroportos continuam sendo beneficiados.

A mudança na regra do subsídio beneficia quem usa aviões maiores?

Esse limite não necessariamente estimula a melhor forma de gerar capacidade. E botar avião grande não compensa. O subsídio não viabiliza uma operação onerosa. Quem usar a aeronave correta vai ter melhor resultado.

A TAM vai ampliar frota?

Já temos estudos em andamento. Quando a companhia faz um pedido de aviões, leva de dois a cinco anos para receber. Depois, ficam de dez a 15 anos na frota. É compromisso de 20 anos. O subsídio é para cinco, renovável por mais cinco, é curto prazo. A decisão (de investir) tem de estar em linha com a estratégia da empresa. Faremos complementação de frota. Vamos consultar os fabricantes do segmento, incluindo a Embraer.