BRASÍLIA

Onze dias após ser reeleita numa disputa apertada, a presidente Dilma Rousseff anunciou ontem que o grande desafio do próximo mandato será fazer o "dever de casa" para a retomada do crescimento. Em entrevista conjunta para O GLOBO, "Valor Econômico", "Folha de S.Paulo" e "O Estado de S. Paulo", a presidente admitiu, pela primeira vez, que precisará reforçar o controle da inflação e cortar despesas para fazer frente às limitações fiscais do governo. Sem citar quais áreas seriam alvo dos cortes, a presidente confirmou ter problemas nos gastos com pensões por morte, abono salarial e seguro-desemprego, o qual classificou como um grande patrocinador de fraudes. Dilma negou que tenha um tarifaço de energia a caminho e afirmou que ele já foi feito ao longo deste ano. Ela não quis antecipar nomes da nova equipe, mas defendeu, um a um, a manutenção de todos os ministérios. Bem humorada e confiante, Dilma descontraiu ao falar do neto, das orquídeas que usa para decorar o gabinete no lugar de flores que murchavam rápido e lamentou ter desenvolvido recentemente uma asma alérgica. Afirmou ainda não se arrepender de nada que fez na campanha. "Você se arrepende do que não falou. Não do que falou". A seguir, os principais trechos da entrevista:

retomada do CRESCIMENTO

"Esse é o grande desafio nosso. Não acho que tem uma receita prontinha, que alguém tenha e que nós devemos nos apropriar dela, seguir à risca para crescer. Os Estados Unidos são os pragmáticos dos pragmáticos. Diziam: 'Não salvem as empresas privadas', eles vão lá e salvam todo o setor automobilístico; 'Não coloquem esta quantidade de moeda na economia', eles vão lá e colocam; 'Não salvem bancos nem emitam títulos para salvá-los', eles vão lá, emitem e salvam. Ninguém vai me dizer que é trivial a queda do petróleo. Ninguém vem me dizer que é trivial a queda do ferro, da soja. Eu acho que os emergentes têm ainda espaço para voltar a crescer, mesmo num quadro complexo da economia internacional".

DEVER DE CASA

"Nós vamos ter de fazer nosso dever de casa: apertar o controle da inflação, vamos ter limites dados pela nossa restrição fiscal para fazer toda uma política anticíclica que poderia ser necessária agora. Temos alguns nichos que eles (países desenvolvidos) não têm. E mais, quando eu disse, em várias vezes que me entrevistaram, que a nossa política econômica era de defesa e não de ataque, nós estávamos defendendo o quê? Estávamos defendendo que não houvesse uma queda brutal no nível de investimento, que não houvesse uma queda no nível de renda nem no nível de emprego. Por mais que no Brasil se fale: "Ah, o desemprego está crescendo", não é isso que os dados demonstram. Nem tampouco que os níveis de renda estão caindo".

AUMENTO DE MISERÁVEIS

"Quero aqui protestar contra o fato de dizerem que ocultamos dados. O Ipea pegou o que nós divulgamos em setembro da PNAD, os microdados que todo mundo tem acesso, e fez séries, do jeito deles, com os métodos deles. Agora, é bom vocês saberem que nós temos um problema estatístico nesses dados, que são os que declararam ter renda zero. Quando fomos ver as pessoas de renda zero, o que nós descobrimos e avisamos ao IBGE imediatamente, lá atrás? Que havia uma inconsistência com essas pessoas. Nesta faixa, 84,3% tinham abastecimento de água - isso com renda zero -, 73% nessa faixa tinha esgotamento sanitário, 5,3% têm curso superior completo. Pode ser pessoa se negando a declarar renda, só isso. Eles tinham de colocar isso no "não declarou".

FALTA DE CONFIANÇA NO BRASIL

"E como você explica o investimento direto externo? Nós somos de qualquer jeito o quinto país do mundo receptor de investimento direto externo. Mesmo sendo reinvestimento, é investimento novo. Se vou reinvestir, vou expandir. Nosso negócio é expansão de investimento, não é rodízio".

LIMITES FISCAIS

"Meu querido, (ter limites fiscais) sempre será cortar gastos. (Sobre) subida de juros eu não me manifesto. É uma questão de política monetária. Me desculpe, mas eu não falo sobre isso. Limite fiscal, nós vamos ter de reduzir os gastos. Não sei em quanto, se eu pudesse saber eu diria tudinho aqui agora. Estou dizendo teoricamente".

NOVOS MINISTROS

"Pretendo fazer o anúncio da minha equipe econômica ao voltar do G-20. (Depois da eleição) Conversei uma vez com o Trabuco (Luiz Carlos Trabuco, presidente do Banco Bradesco) e ele me disse simplesmente o seguinte: que me cumprimentava e, como sempre, como tinha feito ao longo de todo o processo, que estava disponível para ajudar em tudo o que fosse necessário - não significando que ele estava se oferecendo para nada. Ele estava sendo gentil, da mesma forma que o Abílio Diniz e outros tantos. Eu não fiz nenhum convite sobre (Fazenda). Eu não vou divulgar ministério agora, não farei isso".

AJUSTES

"Temos de fazer ajustes em várias coisas. Não é só cortar gastos. Ao longo do governo, você descobre que várias coisas estão desajustadas. Várias contas que podem ser reduzidas. Eu não vou divulgar coisa que ainda não completei. Estou dizendo é que esta visão de corte de gastos não é similar àquela maluca de choque de gestão, que vende o que não consegue entregar. Eu não vendo o que não consigo entregar. O que vamos tentar é um processo de ajuste de todas as contas do governo. Vamos revisitar cada uma e olhar com lupa o que dá para reduzir, o que dá para tirar, o que dá para modificar e o que dá para mandar para o Congresso".

REDUÇÃO DE MINISTÉRIOS

"É outra lorota. Eu não posso hoje acabar com Portos e Aeroportos, porque ainda não acabei o processo. Vamos ter de fazer aeroporto regional, mas preciso do marco regulatório. Vamos ter dificuldades de aprovar agora e vamos ter de tirar. Criei a Secretaria da Micro e Pequena Empresa. Não acabo com Micro e Pequena Empresa - que entra na categoria "nem que a vaca tussa". Estamos no processo de focar neles, de olhar os problemas e tentar equacionar para esse setor um fluxo de crescimento que será muito importante para o país voltar a crescer. Vamos olhar outras coisas: Direitos Humanos, Mulheres e Negros têm status de ministério, mas status político, não é de maneira alguma status que envolve estrutura. Eles ficam usando os demais ministérios para poder crescer. Nisso eu não mexo. Querem acabar com o MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário). Tem desenvolvimento agrário e agronegócio. Não são iguais. Não têm similaridade. Não se pode fazer política igual para um e para outro. Uma coisa é Pronaf e seguro Garantia Safra. Outra coisa diferente é seguro barra pesada para o agronegócio. Um ganha R$ 156 bilhões, outro ganha R$ 24 bilhões. A diferença é essa. Aí falam: por que não botar a Pesca junto (com Agricultura)? Porque a Pesca não saiu do chão ainda. Está para sair do chão. Está como Aeroportos e Portos: está para decolar. Ela precisa decolar para ir para qualquer outro lugar, se for necessário. Aí falam: junta Micro e Pequena Empresa com o MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio). Acaba a micro e pequena empresa, porque o problema da indústria é um e o problema da micro e pequena empresa é outro. Por que deixamos assim? Porque ainda não está maduro para não ser assim. Eu não acho que a questão do gasto público seja quantidade de ministérios. Isso é mentira. Isso é jogo".

FALTA D'ÁGUA E TARIFAÇO

"Não há certeza disso (continuidade do problema da seca). Nem nas tarifas. Da forma pela qual se forma o preço (da energia), ele cai de 300 para zero em um dia. Elas (as térmicas) param de rodar. E elas sempre serão pagas. Vocês é que acham que não foram pagas. Um dos gastos que tivemos esse ano, no nosso orçamento, foi o pagamento delas. Nós estaríamos hoje na situação de São Paulo se não tivéssemos 20 mil megawatts de térmica. Quando teve o apagão (no governo Fernando Henrique), se tinha 4 mil era muito. A consequência para qualquer sistema em que você prevê o risco é que você paga. Essa conta foi paga ao longo desse ano todo. Gente, olha o nível de aumento das tarifas de energia. Aonde está o tarifaço? Essa história de que nós represamos é lorota. Ao longo do ano inteiro houve pagamento pelo uso da térmica. O governo fez o quê? Suavizou um pouco para não ser aquele impacto. A nossa sorte é que o sistema elétrico brasileiro não tem hoje similaridade com o que foi, nem parece. Se hoje você tem condição de despachar térmica e manter o país funcionando com o nível de seca que nós estamos tendo, isso deve-se ao fato de que investimos".

PERSPECTIVAS PARA 2015

"Não tenho pretensão de fazer uma prospecção para o futuro. Qual é a minha esperança: o Brasil terá uma recuperação. Enquanto isso, eu espero que o mundo também tenha, porque a nossa recuperação será mais potencializada pela recuperação internacional. Tanto a China como a União Europeia serão decisivos. O meu interesse na reunião do G-20 é ver como eles estão encarando esse futuro, porque no Brasil vamos fazer a nossa parte. Até agora, não deixamos o barco afundar. Nós mantivemos o nível de investimentos, mesmo num sufoco danado. Tomamos providências para desonerar. Na desoneração, perdemos em termos de arrecadação quase R$ 70 bilhões. Não me arrependo. A desoneração na recuperação será fundamental, porque é uma força para o setor privado".

INFLAÇÃO

"Não pretendo mexer em intervalo de tolerância. Eu pretendo reduzir a inflação e não a meta de inflação. São coisas distintas. Fazer uma política de inflação que leva em conta também o fato de que nós não vamos desempregar neste país. Ponham na cabeça isso".

ESTELIONATO ELEITORAL

"Eu não concordo com isso. Eu não estou falando que vou fazer o arrocho que eles falaram. Pelo contrário, estou dizendo que vou manter o emprego e a renda. Não falei que vou reduzir meta de inflação, que eles cantaram em prosa e verso. Tampouco concordo com choque de gestão. Eu sei o estelionato que choque de gestão é".