A grilagem no Distrito Federal não escolhe endereço. A prática ilegal se confunde com a história de Brasília e se tornou recorrente em áreas consolidadas e naquelas que resistiram à ocupação irregular. Nem mesmo as ações de fiscalização do governo conseguem impedir novas construções em diversas cidades. …

Levantamento da Secretaria de Segurança Pública do DF (SSPDF) aponta que, de janeiro até agora, foram registradas 29 ocorrências de parcelamento irregular do solo, sendo 12 em flagrantes que resultaram em prisão. Ao todo, 103 pessoas foram detidas pelo crime. Os casos ocorreram em mais de 10 regiões administrativas e com histórico de invasão de terras.

São Sebastião lidera a lista de ocorrências. Neste ano, foram 12 na região, seis delas em flagrante. Guará II, Gama, Riacho Fundo, Vicente Pires e Paranoá tiveram dois casos cada uma nos primeiros 10 meses de 2014. O último levantamento da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente e à Ordem Urbanística (Dema) apontou que as áreas mais críticas da grilagem no DF são: o Assentamento 26 de Setembro, em Taguatinga; o Núcleo Rural Alexandre Gusmão, em Brazlândia; o Condomínio Sol Nascente, em Ceilândia; a Ponte Alta, no Gama; o Morro da Cruz, em São Sebastião; e o Altiplano Leste, no Lago Sul. Neste ano, de acordo com informações da Dema, 74 pessoas foram presas pelo crime de invasão de terras públicas e 71 por dano ambiental.

A reportagem do Correio visitou algumas das áreas onde há mais ocorrências de ações de grileiros. Em São Sebastião, no setor de chácaras Morro da Cruz, terrenos foram parcelados e vendidos sem autorização do Estado. A equipe flagrou áreas desmatadas e demarcadas com piquetes de madeira para serem divididas. A fiscalização do governo existe, segundo os moradores, mas não é suficiente para coibir a prática ilegal. “Nos últimos três, quatro anos, a região cresceu bastante, e o governo não conseguiu controlar. Quando nos mudamos para cá, não tinha nada. Hoje, o pessoal chega e vai invadindo, piqueteando tudo. Quando a fiscalização chega, se não tiver ninguém morando, derruba mesmo, mas logo eles aparecem de novo”, contou o marceneiro Paulo Araújo, 34 anos.

Ele conta que a família se mudou para a região há mais de 15 anos, transferida de uma área de Samambaia pelo Governo do Distrito Federal. “Nós, moradores antigos, recebemos do governo um documento de cessão de uso e esperamos a regularização da área. Queremos pagar impostos em troca de serviços”, reivindicou. No mesmo setor onde mora o marceneiro, em 2 de outubro, a polícia prendeu 16 homens suspeitos de invadir uma chácara particular para parcelar o terreno ilegalmente e vender os lotes.

Próximo dali, o Altiplano Leste é considerado outra área alvo de grileiros. Mesmo sem permissão para construir no local, a reportagem flagrou diversas casas sendo erguidas. A presença da fiscalização na região é constante, de acordo com os moradores, mas não impede a prática. Quem vive no local reclama das investidas. “Eles vêm aqui e derrubam tudo sem respeitar ninguém. Compramos o lote de boa-fé, há mais de 10 anos. Temos documento de cessão de direito. O governo nos cobra IPTU e energia, mas diz que não pode fazer nada”, reclamou um morador da região que preferiu não se identificar.

Dono de um comércio no Altiplano Leste há 17 anos, outro morador reclama da diferença de tratamento entre as áreas. “Somos iguais a muitos outros condomínios irregulares no Jardim Botânico, mas aqui eles vêm e derrubam tudo. Compramos com boa intenção porque precisamos morar. Ninguém aqui é invasor”, justificou.

Regularização

Para os promotores de Defesa da Ordem Urbanística (Prourb) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), a promessa de regularização das áreas estimula as invasões. “A expectativa da legalização provoca essa situação, mas isso tem que parar. Se não dá para construir ali, é isso e acabou”, defendeu um dos promotores. Para eles, a frequente descoberta de novos parcelamentos mostra uma dificuldade do Estado em lidar com a situação, mesmo que haja ações de fiscalização constantes. “Atuamos diariamente em frentes criminal, cível e administrativa, exigindo do Poder Público a fiscalização”, comentou.

Segundo os promotores, o Altiplano Leste é hoje uma área que demonstra a ineficiência do governo em fiscalizar. “É uma das mais cobiçadas por grileiros e é possível perceber, claramente, que lá não é um problema social de moradia”, denunciou um deles. Eles apontam outras regiões críticas no DF, como uma área próxima à Torre de TV Digital, em Sobradinho.

Os promotores informaram que, no ano passado, entraram com ação de execução para que o governo cumpra o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) nº 002 de 2007, firmado entre o MP e o GDF. Assim, o GDF ajustaria os procedimentos de regularização dos parcelamentos irregulares. Além disso, o documento determina que o GDF tome medidas para coibir a grilagem de terras e a ocupação desordenada no DF. “No ano passado, fizemos uma recomendação para que o governo cumpra o que está determinado no TAC, principalmente nos parcelamentos Minichácaras do Lago Sul, no Privê Morada Sul Etapa C e no Estância Quintas da Alvorada”, disse um dos promotores.

O que diz a lei

O Termo de Ajustamento de Conduta nº 002, de 2007, determina que o GDF promova a regularização dos parcelamentos irregulares com base em estudos a serem elaborados, com prioridade para as áreas ocupadas pela população de baixa renda, além de implementar políticas públicas que garantam o direito social à moradia. É dever do Estado, segundo o TAC, elaborar ou cobrar dos empreendedores estudos para os licenciamentos ambiental e urbanístico. Deve também criar e aprovar o Zoneamento Ecológico Econômico do DF e o licenciamento ambiental corretivo dos parcelamentos. O documento também prevê como responsabilidade do estado fiscalizar, repreender e combater a ocupação irregular do solo no DF.