Título: Ideologia esquecida no Império
Autor: Fonseca, Marcelo da
Fonte: Correio Braziliense, 01/05/2011, Política, p. 9

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) trouxeram à tona, na semana passada, um debate que vai e vem nas rodas políticas: o esvaziamento ideológico de partidos. Ao decidir em favor das coligações na convocação de suplentes de parlamentares licenciados, eles fizeram críticas ao sistema partidário do país. ¿A grande falha no sistema eleitoral brasileiro é a total ausência de ideologia dos partidos. Hoje, temos os partidos fragmentados, que significam muito pouca coisa a respeito de ideologia¿, sentenciou a ministra Ellen Gracie. ¿Os partidos não seguem seus programas¿, concordou o presidente da Corte, Cezar Peluzo. As críticas batem na tecla de uma situação que se repete desde o Império. Para especialistas, o personalismo excessivo nas disputas eleitorais e interesses particulares de certos grupos atrapalham a construção ideológica dos partidos.

¿Nunca tivemos uma identificação partidária no decorrer da história. O atual sistema começou a partir de 1980, mas já nasceu sem âncora social. As legendas não têm tanta importância como em outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, os eleitores conhecem bem o que cada grupo defende. E mesmo em países sul-americanos, como o Uruguai, percebemos uma identificação partidária muito maior, com legendas centenárias e influentes¿, afirma o professor de ciências políticas da Universidade Federal de Minas Gerais Carlos Ranulfo.

Durante o período imperial (1822-1889), a grande maioria dos políticos pertencia à mesma classe social, dos proprietários de terra e bens, o que justificava os entendimentos entre os dois grupos. Em 1853, o então ministro da Fazenda, Marquês do Paraná, adotou a política de conciliação para evitar divergências entre as classes dominantes. O historiador José Murilo de Carvalho ressalta que havia diferenças entre os dois grupos na questão do papel que o Estado deveria exercer e na resistência à abolição da escravidão. ¿O grande problema da época era a limitação do corpo eleitoral. A existência do voto distrital favorecia uma redução no número de partidos e alguma diferenciação entre eles¿, pondera.

Continuísmo No início do período republicano, os acordos entre grupos políticos para se manter no poder também prevaleceram. Prevaleceram a troca de favores e arranjos políticos. Com a rotatividade de uma mesma classe no poder, as eleições se tornaram formalidades. O cenário só mudou com Getúlio Vargas, que, em 1937, os partidos opositores na ilegalidade, retomada apenas em 1945, na República Populista.

Com o regime militar, o Brasil viveu um período bipartidarista. Depois, os parlamentares foram se reorganizando. A extinta Arena, partido de apoio ao regime, se dividiu no PFL (hoje Democratas) e PPB. A partir do MDB, partido de oposição aos militares, surgiram várias siglas. Como resultado da multiplicidade, as representações passaram por sucessivas misturas. ¿Apesar de existirem defensores da livre organização, é inevitável considerar o prejuízo à governabilidade. Temos partidos cuja posição a sociedade não consegue definir, o que atrapalha o processo político¿, analisa Ranulfo.

O atual sistema começou a partir de 1980, mas já nasceu sem âncora social. As legendas não têm tanta importância como em outros países¿

Carlos Ranulfo, professor de ciências políticas