Título: Angola prepara seu mercado de capitais
Autor: Filgueiras, Maria Luíza
Fonte: Gazeta Mercantil, 26/08/2008, Finanças, p. B1

São Paulo, 26 de Agosto de 2008 - A formatação do mercado de capitais faz parte do projeto de construção de uma nova era em Angola. Se parece estranho um país que ainda não formatou um sistema financeiro além do bancário mesmo com toda sua riqueza natural e companhias bilionárias, a história da nação africana explica a evolução cautelosa de um processo de "capitalismo democrático". Às vésperas da primeira eleição parlamentar desde 1992, marcada para o dia 5 de setembro, o país se reestrutura após 27 anos de guerra civil, encerrados há apenas cinco anos. A criação da bolsa de valores acontece num momento especial da história do país, com cunho nobre mas desafiador: ser um canal de distribuição de renda, através do acesso popular às ofertas públicas. "O governo de Angola tem investido em formação e educação financeira desde 1998, com mais de 7 mil pessoas enviadas para grupos de estudo nos Estados Unidos e Inglaterra. Unimos várias experiências do mundo, com erros e virtudes, para criar um mercado moderno", explica António Joaquim da Cruz Lima, presidente da Comissão do Mercado de Capitais (CMC), a entidade reguladora do mercado de capitais tal como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no Brasil. As três fontes básicas para a formatação da legislação, negociação e sistema de controle das transações foram os mercado brasileiro, canadense e português. "A legislação foi inspirada na brasileira, mas não é uma cópia. Poderia parecer mais óbvio usarmos a África do Sul como modelo, mas achamos a bolsa muito ligada a Londres (dependente dos investidores) e o mercado de capitais tem uma dose grande de exclusão." Em consecutivas visitas ao Brasil, a conclusão do grupo encarregado pelo governo angolano foi criar uma bolsa que já nasce com perfil de sociedade anônima, controlada pelo estado (51%) e com participação de empresas privadas e estatais, num total de 22 sócios. A Bolsa de Valores e Derivativos de Angola (BVDA), como o próprio nome já diz, é mista (vai operar mercado à vista e derivativos). "Só temos tamanho para uma bolsa unificada e acredito que o maior volume deve vir do mercado de derivativos, menos volátil", diz Cruz Lima. Segundo Lucy Souza, presidente da Associação dos Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec-SP), já vieram ao Brasil representantes de empresas que devem estrear o pregão angolano, caso da petrolífera Sonangol. "O modelo de regulação é baseado no modelo da CVM. Agora estão se organizando para prover educação financeira aos grupos de executivos, para depois iniciar o processo com os investidores individuais", detalha Lucy. Em dezembro, a CMC assinou um protocolo de cooperação com a CVM, com objetivo de estabelecer uma série de procedimentos de interesse conjunto para desenvolver competências técnicas e reforçar a supervisão e transparência dos mercados de valores mobiliários no Brasil e em Angola. A "parceria" também foi firmada com a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) de Portugal - incluindo discussão sobre polêmicas do aspecto regulatório. A BVDA, criada com capital social de US$ 15 milhões, está pronta para operar, mas aguarda autorização do controlador para início de listagens. "Angola precisa cumprir o processo de pacificação e eleições, que estão paradas há 16 anos. Primeiro o governo, controlador da bolsa, tem que estabilizar a macroeconomia, fortalecer as empresas estatais, enquanto avançamos nas pesquisas e regras. Além disso, não podemos confundir a população com duas novidades muito fortes num mesmo momento", justifica o presidente da CMC. Quando Cruz Lima finalizou a tese de mestrado ¿ cujo tema era justamente a criação da bolsa de Angola - a guerra tinha terminado há apenas três anos e o assunto ainda era difícil de digerir até mesmo no meio acadêmico (que, aliás, só incluiu a matéria mercado de capitais nas faculdades de Economia em 2004). O cenário atual ainda aponta a necessidade de diversos ajustes legais e culturais para o projeto sair do papel definitivamente, mas o pontapé inicial está dado.(Gazeta Mercantil/Finanças & Mercados - Pág. 1)(Maria Luíza Filgueiras)