Título: Um atentado fabricado
Autor: Luiz, Edson
Fonte: Correio Braziliense, 19/04/2011, Política, p. 6

Integrantes do serviço secreto de informações da ditadura duvidavam que a bomba que explodiu na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, em 27 de agosto de 1980, fosse o resultado de um atentado protagonizado por simpatizantes dos militares. Um informe que circulou entre os órgãos de inteligência do governo da época, cinco dias depois do fato, avaliava que o artefato poderia ter sido detonado no momento em que estava sendo fabricado. A explosão ocorreu dentro do gabinete do vereador Antônio Carlos de Carvalho, considerado um militante do MR-8, um dos movimentos de esquerda que atuava contra o regime.

O informe foi produzido pela agência do Serviço Nacional de Informações (SNI) no Rio e indicava uma ¿pessoa idônea¿ como fonte dos dados coletados pelos arapongas. ¿O artefato que detonou na Câmara de Vereadores do Rio pode ter explodido enquanto estava sendo montado¿, relata o documento. O relatório lista uma série de motivos que seriam indicadores de que a bomba havia sido detonada na fase de fabricação. ¿Esta sala é permanentemente fechada à chave, tem acesso controlado e normalmente as atividades em seu interior ocorrem após o expediente¿, detalha o informe.

Na versão mais factível, completamente discordante do texto dos militares, a bomba chegou ao gabinete de Antônio Carlos ¿ que também era conhecido por Tonico ¿ em um embrulho ao lado do restante da correspondência diária. O pacote foi recebido por José Ribamar de Freitas, assessor e tio do político. O homem morreu no local e Tonico perdeu a visão de um dos olhos, teve o braço esquerdo amputado, assim como os dedos da mão direita. O vereador perdeu todos os dentes e 80% da audição, mas continuou na militância política até 1982. Morreu 11 anos depois de deixar a Câmara. No mesmo dia do fato ocorrido no Legislativo, outra bomba foi enviada à sede da OAB no Rio e matou Lyda Monteiro da Silva, secretária da instituição. A OAB era uma das entidades mais atuantes no processo de arrefecimento da ditadura.

Segundo avaliação dos arapongas do SNI, a mesa de trabalho de Tonico apresentava um rombo, no qual as farpas e arestas indicavam que o sentido da detonação teria sido de cima para baixo e da esquerda para a direita. ¿Pelo exposto, o artefato explodiu enquanto era manuseado, surgindo duas hipóteses: ou ele estava abrindo o engenho ou o estava montando¿, observa o informe, ressaltando que o vereador tinha várias passagens pelos órgãos de segurança por sua militância política. O documento integra o acervo entregue ao Arquivo Nacional pelo Centro de Informações da Aeronáutica (Cisa), aberto ao público na semana passada.

Para sustentar a teoria de que a bomba teria sido montada no gabinete de Tonico, o SNI ainda levantou elementos que poderiam ajudar a incriminar o vereador. ¿A dependência onde a bomba explodiu é destinada à comissão de abastecimento, da qual é presidente o vereador Antônio Carlos de Carvalho (militante do MR-8)¿, diz parte do informe: ¿Nesse local eram redigidos e impressos os folhetos e panfletos de propaganda e contestações¿.

O Brasil vivia um momento político tenso em 1980. Com a força minada, a ditadura caminhava para o fim, mas correntes radicais ligadas aos militares defendiam a continuidade do regime. Vários atentados à bomba ocorreram no mesmo período e no ano seguinte. Também no Rio, uma sala do jornal Tribuna da Luta Operária foi alvo de um artefato, mas sem vítimas. Vários veículos de comunicação receberam ameaças. O então ministro da Justiça, Ibrahim Abi Ackel, considerou os atentados como crime contra a segurança nacional.