Título: Cortes no orçamento podem ser revistos
Autor: Americano,Ana Cecília
Fonte: Gazeta Mercantil, 06/04/2009, Brasil, p. A5

São Paulo, 6 de Abril de 2009 - Por mais doloroso que possa se apresentar, o ajuste no orçamento Geral da União -- contingenciando R$ 21,6 bilhões -- anunciado semana passada foi absolutamente necessário, garantem economistas. Mas economistas com especialização em finanças públicas questionam o cálculo do orçamento, baseado na premissa de um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2% em 2009; e o engessamento da atuação do estado na área, devido à obrigações com o custeio, com repasses constitucionais à Saúde e à Educação e com o pagamento da dívida pública.

"A meta de resultado primário prevista no orçamento enviado ao Congresso em 2008 é inconsistente com o cenário de inflação mais baixa e crescimento do PIB inferior em curso", diz Amaury Bier, ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda no governo Fernando Henrique e sócio da Gávea Investimento. Ou seja, as receitas em 2009 tenderão a ser bem menores do que as inicialmente previstas em 2008. Para Bier, portanto, seria desejável que o corte dos gastos do governo fosse muito maior.

"É bom lembrar que estados, municípios e estatais terão resultados piores este ano, e o que interessa nas contas públicas é a meta consolidada, levando em conta todas essas variáveis". Bier acredita que a revisão da estimativa de crescimento do PIB em 2009 feita pelo governo de 4,5% para 2% falha por ser muito otimista. O ex-secretário, ao contrário, trabalha com estimativas de um recuo do PIB em 1% este ano.

Bier pondera que, em função da demanda reprimida no País, "daria para gastar até três vezes o orçamento, dadas as carências sociais, em infraestrutura e em outras áreas". Ele admite a extrema dificuldade de se fazer cortes nesse contexto. Tarefa que se torna ainda mais complexa devido ao "pequeno espaço de manobra que sobra para o governo atuar". De um lado, lembra, houve nos anos recentes uma "expansão generosa" dos gastos correntes, principalmente em função dos aumentos dados ao funcionalismo e às regras de indexação do salário mínimo, as quais onerariam a Previdência. "O que sobra para se cortar é exatamente o que não é recomendável suprimir, ou seja, os investimentos".

Para o ex-secretário do Ministério da Fazenda, é muito provável que o governo se veja obrigado a divulgar novo reajuste no Orçamento já no próximo bimestre, quando, devido à inflexibilidade de boa parte do orçamento, até as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) correrão o risco de serem sacrificadas -- seja por contingenciamento, seja por meio de adiamentos.

De acordo com Bier, outras alternativas para a adequação do orçamento à nova realidade estariam nos recursos do Fundo Soberano e dos Projetos Pilotos de Investimento (PPIs). "Esses últimos são investimentos prioritários que não são computados como despesas", explica. Na prática, os PPIs são gastos que podem ser abatidos da meta de Resultado Primário do Governo Federal.

Nem todas as análises são tão críticas. O professor Adriano Biava, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, acredita que o contingenciamento proposto pelo governo é significativo. "17% do orçamento já é um grande corte", afirma.

Para Biava, a grande questão sobre o contingenciamento está desfocada. "O que importa é saber se a carga tributária de cerca de 35% do PIB está bem dimensionada para as necessidades do País", comenta. "Para alguns, ela é absurda. Para outros, um País como o Brasil, que necessita de um estado com maior presença, de forma a gerar mais serviços à população carente, não tem como fugir de uma tributação mais pesada", argumenta.

Outro problema levantado pelo professor é o fato de, na redução de estimativa de gastos, a área financeira ser preservada, ao contrário do que ocorreu com diversos ministérios, notadamente o da Cidades -- que detinha uma participação de 6,5 % do orçamento, caindo para 4,9% -- e a área da Defesa, que participava do bolo com 7,4% e cuja fatia minguou para 6,6%.

"O Brasil, independente do cenário econômico, tem pago religiosamente a sua dívida, sem sequer questioná-la", diz ele. "Exceto por alguns espasmos no governo Sarney, todos os governos pagaram a dívida sem discutir o seu montante, os prazos e condições de pagamento", critica. Segundo ele, a tabela divulgada pelo Ministério do Planejamento com os valores a serem destinados a cada área do governo não deixa claro, ainda, qual será a economia a ser feita com a queda da taxa de juros ao longo do ano. "Os números divulgados, somando os encargos e operações, não refletem o peso da dívida sobre o orçamento público", avalia.

Outro professor, Francisco Vignole, da Fundação Getúlio Vargas, vê o compromisso com o pagamento da dívida um mérito. "O resultado primário desse governo mostra o seu esforço fiscal", diz. Ele próprio ex-secretário de Finanças dos municípios de Diadema e Santo André (ambos em SP) em administrações petistas, Vignole lembra que a gestão Lula conseguiu diminuir a dívida interna de um patamar de 56% do PIB, em 2003, para os atuais 36%. Segundo o economista, o governo tem agido seriamente, também, levando em conta os repasses constitucionais para Saúde e Educação. "O cobertor está curto", frisa. "Assim, é natural que algumas áreas sejam priorizadas em detrimento de outras", diz. Para o economista, a distribuição do ônus não é uma decisão técnica. "Ao contrário, é essencialmente política". E, neste caso, a decisão estaria correta ao preservar as áreas sociais e as voltadas ao investimento em infraestrutura, que minimizariam os efeitos da crise.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 5)(Ana Cecília Americano)