Título: Aécio é praticamente imbatível, diz
Autor: Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 20/08/2008, Especial, p. A6

Ciro em campanha pela ex-mulher: "Não sou mais tão bobo quanto já fui. Pode haver uma situação que imponha minha candidatura a presidente, a vice ou a nada" O deputado federal Ciro Gomes (PSB-CE) desempenha com entusiasmo o papel de principal cabo-eleitoral de sua ex-mulher, a senadora Patrícia Saboya Gomes (PDT-CE), candidata a prefeita de Fortaleza. Diz estar disposto até a gravar participação no programa eleitoral gratuito de televisão, embora a legislação eleitoral proíba presença de filiados de outros partidos ou de partidos que integrem outra coligação, o que é o caso do PSB, que está coligado ao PT em Fortaleza.

A família Ferreira Gomes está dividida nesta eleição. O governador Cid Gomes (PSB), irmão de Ciro, apóia a candidatura da prefeita Luizianne Lins (PT) à reeleição. O deputado nega tratar-se de uma estratégia familiar ter um pé em cada canoa. Mas admite a conveniência política de manter aliança - mesmo informal - com o PDT, por acreditar que não poderá contar com o PT em 2010. "O PT não vai me apoiar numa eventual candidatura a presidente nem estará com o Cid no Estado", acredita.

Dizendo não ser mais "bobo como era antes", Ciro busca agir como um jogador, de olho em 2010. "Não quero fechar portas agora", afirma. Por isso, admite um leque de opções: ser candidato a presidente, ser vice da ministra Dilma Rousseff (PT) ou do governador Aécio Neves (PSDB) ou ser simplesmente um "cidadão com participação agressiva" na eleição presidencial, para manter as conquistas do governo Luiz Inácio Lula da Silva, lutar por "avanços" e evitar o retorno de uma "economia neoliberal".

Ciro considera a oposição favorita em 2010 e uma chapa encabeçada por Aécio "quase imbatível". Já o governador José Serra (PSDB), na sua opinião, "é mais derrotável". Como de costume, Ciro alfineta o PT e o PSDB paulistas - "é tudo uma turma só" - e diz apostar que Serra "está torcendo" por Marta Suplicy (PT) na disputa pela Prefeitura de São Paulo.

No domingo, depois de atividade de campanha ao lado de Patrícia Saboya, que incluiu discurso e caminhada com militantes e eleitores pelo calçadão da avenida Beira Mar, de Fortaleza, Ciro deu entrevista ao Valor:

Valor: Sua presença forte na campanha e o apoio do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) não podem dificultar um caminho próprio da senadora Patrícia Gomes?

Ciro Gomes: Eu tenho conversado com ela claramente sobre isso. As pessoas querem um líder. A prefeita ou prefeito tem que ser um líder, capaz de tomar decisões, de enfrentar crises, sem perguntar a ninguém. Ninguém aceita subalternidade política. Mas as pessoas também entendem que ninguém comanda a quarta maior cidade do país sozinha. Trata-se portanto, de ela demonstrar que o meu papel e o do Tasso em relação à administração dela será arranjar dinheiro para ela trabalhar. Eu era contra a candidatura. Ela se impôs a mim. Criou um fato consumado.

Valor: Agora o senhor está totalmente engajado.

Ciro: Sim, eu nunca tive dubiedades na vida. Nunca tive. Uma vez que ela se impôs contra minha vontade, imediatamente ela foi informada de que eu estava disponível para apoiá-la.

Valor: Chegaram a dizer que a transformação da personagem Flora (da novela "A Favorita", da TV Globo), interpretada por sua atual mulher, a atriz Patrícia Pillar, em vilã da história provocou queda da senadora nas pesquisas. Estaria havendo uma associação entre elas. O senhor acredita na influência da ficção sobre a eleição?

Ciro: Isso não existe. É um desacato à inteligência do nosso povo. Certas elites brasileiras - e elas se expressam às vezes nos marqueteiros e nos analistas de pesquisas - fazem um pouco caso do povo que é uma coisa chocante. E esta cidade é avançada politicamente. A Maria Luiza Fontenelle do PT foi eleita aqui na primeira eleição direta para prefeito que aconteceu nas capitais em 1985. Uma mulher descasada, que teve três maridos, com todo estereótipo reacionário hostil.

Valor: E teve uma gestão muito criticada. Há comparação entre ela e a atual prefeita petista Luizianne Lins?

Ciro: Não. A Maria Luiza jogou fora uma oportunidade, estragou a vida dos progressistas daqui por um bom tempo. A administração dela era alucinada. Ela convocava assembléias públicas para discutir se tapar buraco nas ruas era ou não uma demanda burguesa. Convocou vários locautes. Convocou por uma cartilha, impressa pela prefeitura, a população a tocar fogo nos ônibus. A Luizianne é uma águia política. A capacidade política dela é absolutamente sofisticada, para a idade dela e a solidão dela. Ela foi eleita contra a cúpula do PT e depois da eleição ela aprofundou a solidão. Ela está cercada de aliados - o governador, o senador Inácio Arruda (PCdoB), o deputado Eunício Oliveira (PMDB), mas faz política sozinha. Ela costurou esse apoio e quase joga fora. Ela elegeu um presidente do PT que é da ala do partido que é contra o Cid. Isso, na iminência de fazer um acordo com o governador que era fundamental para ela. O Cid manteve o apoio porque havia dado a palavra.

Valor: O governador está com Luizianne e o senhor, com Patrícia. Por enquanto, Moroni Torgan (DEM) lidera a disputa (seguido de Luizianne e Patrícia, segundo pesquisas), mas, se uma delas for eleita, a família Gomes Ferreira está na administração.

Ciro: Vou falar por mim. Eu, Ciro Gomes, não tenho a menor ilusão que o PT vai me apoiar se eu eventualmente for candidato (a presidente) em 2010. E acho muito provável que o PT tenha candidato a governador contra o Cid.

Valor: Então o apoio ao PDT hoje é estratégico?

Ciro: Minha posição agora foi imposta pelo fato consumado criado pela senadora Patrícia. Eu achava que era mais conveniente deixar essa contradição para ser resolvida pelo tempo. É bobagem dizer que eu e Cid estamos combinados, um bota um pé num barco e o outro no outro.

Valor: Tem se falado também que o senhor pode ser vice de Dilma ou de Aécio. E o senhor não descarta nem uma coisa nem outra. Tudo é possível?

Ciro: Eu não sou mais tão bobo quanto já fui. Repare bem: não haverá uma situação em que, eventualmente, seja meu dever aceitar isso? Poderá haver uma situação em que meu dever - meu dever partidário, meu dever com o país - imponha que eu aceite a tarefa de ser eventualmente vice, ou não ser candidato a nada, ou ser candidato a presidente. Se essas são as portas que eu tenho, por que eu vou ficar fechando agora, quando tem muita gente interessada nisso? Eu iria dizer que não aceito ser vice do PT de jeito nenhum? Por que não? Dizem que eu admito ser vice do Aécio. As pessoas não ouviram o resto da frase. Eu digo 'é muito improvável, eu luto do lado das forças que estão com Lula, e ele, ainda que seja um bom amigo, luta do lado das forças que são hostis a nós. Mas de fato seria uma honra para qualquer brasileiro ser vice de um homem que é um projeto de estadista'.

Valor: A posição de Ciro Gomes no jogo em 2010 depende de quê?

Ciro: Depende da vontade do meu partido. Estou disposto, se meu partido quiser, a cumprir essa tarefa. Mas não vou brigar por ela. Posso garantir que, como cidadão brasileiro, vou ter uma participação agressiva nessas eleições porque estou vendo nelas um momento crítico da política brasileira. As portas estão completamente abertas, porque o que vai estar em jogo é muito grave: é a institucionalização do espaço conquistado, que é importante. Mas é fundamentalmente a projeção dos passos seguintes. O Brasil não pode mais adiar certas institucionalidades. Por isso é que dou tanto empenho nessa questão do diálogo entre as forças que pensam no país. Por exemplo: a Previdência Social tem que ser considerada. O modelo tributário tem que ser considerado. E o modelo político brasileiro tem que ser aperfeiçoado. É preciso fazer as reformas ou encerrar o assunto.

Valor: O senhor propõe uma aliança?

Ciro: Senta o PT, o PSDB, os setores que têm responsabilidade. Não se pode desconsiderar uma conversa com o Serra.

Valor: O senhor disse que pode ser candidato a presidente caso haja o risco da volta do neoliberalismo. Uma vitória do Aécio não significaria isso?

-------------------------------------------------------------------------------- O Aécio é capaz de se eleger contra o PT e no dia seguinte convocar o PT para partilhar o poder, fazer uma coalizão real" --------------------------------------------------------------------------------

Ciro: Não, porque o Aécio, para se viabilizar candidato, tem que enfrentar essa coalizão hegemônica do PSDB. E vencer. E tem que se escorar em outras forças, distintas dessas. O Aécio é capaz de se eleger contra o PT e no dia seguinte convocar o PT, partilhar o poder com o PT, fazer uma coalizão real, de valores. O Aécio tem essa percepção. Uma agenda para o país não pode ser tratada de governo contra oposição.

Valor: E o PSDB paulista?

Ciro: Há um paroquialismo da política de São Paulo. São Paulo tem uma sociologia, uma sócio-economia completamente atípica da média brasileira. O PT e o PSDB lá se alternam no poder e são meras nuances. É a mesma turma. Duvido se o Serra não esteja torcendo pela Marta nesta eleição. Para derrotar o (Geraldo) Alckmin, que representa a vitória do Aécio.

Valor: Mas a vitória da Marta também seria muito ruim para o Serra em 2010.

Ciro: Neutraliza, a não ser que ele imagine que a Marta seja candidata a presidente da República e que ele ache que pode derrotá-la. Por qualquer argumento, a Marta é melhor para o Serra. Ele queria o (Gilberto) Kassab, mas como não está emplacando, é melhor para ele a Marta do que o Alckmin.

Valor: Acha que Marta, se eleita prefeita, imporá uma candidatura a presidente ao PT?

Ciro: Eleita prefeita de São Paulo, imediatamente, por si ou pelo PT, será cogitada, gerando uma tensão grave dentro do PT. Sou parceiro e aliado, mas o PT tem que entender que o que está em jogo é muito mais grave do que o justo interesse do PT em ter o presidente da República. O que está em jogo é o rumo estratégico para o país.

Valor: O pós-Lula.

Ciro: A concepção de economia política que o Lula faz não é a minha. Compreendo a lucidez e o brilhantismo com os quais o Lula montou essa engenharia, mas eu acho que o Brasil já tem o acúmulo para uma institucionalidade mais avançada um pouco. Um poder econômico menos reacionário do que o que nós temos.

Valor: Como seria?

Ciro: O que está acontecendo no Brasil nesse momento de fundamental? O espaço do salário na renda nacional, depois de ter caído uns 20 anos, está aumentando expressivamente. Por uma política rígida de emprego, por uma política de salário mínimo. O Lula fez, mas não é institucionalizado. Fez no limite da política econômica e teve que transigir muito. Funcionou, mas é aquém da necessidade e da potencialidade que o Brasil tem. A outra questão é em direção ao empreendedor brasileiro. Uma economia política que compreenda que a globalização impõe ao Brasil, ao empreendedor brasileiro, uma assimetria grave, sob o ponto de vista das condições de empreender, com seus competidores no mercado nacional e mundial.

Valor: O que o senhor faria?

Ciro: Tem várias formas de fazer. Você tem como compensar essas assimetrias. A economia precisa se guiar pela superação das assimetrias. Outra coisa: o componente tecnológico está defasado. Fala-se em três gerações de atraso tecnológico. Precisamos superar isso. É uma economia política não neoliberal.

Valor: O senhor seria candidato sem o apoio de Lula?

Ciro: Posso ser candidato a depender exclusivamente do encontro entre a vontade do meu partido e aquilo que eu considerar essencial naquele momento. O presidente é meu amigo querido. E eu faria uma campanha preservando essa imensa conquista que ele - e eu atribuo a ele pessoalmente - promoveu.

Valor: Ele terá facilidade de eleger o sucessor?

Ciro: Fácil não vai ser não. Eu acho que a oposição é favorita, pelo encontro do momento econômico, que está se deteriorando, com fadiga de material e com a falta de um quadro natural do PT. O PT, maior partido do país, tem todo o direito de querer um quadro seu na disputa, mas quadro natural não tem.

Valor: A oposição é favorita independentemente do candidato?

Ciro: Se for Aécio, fica praticamente imbatível, porque, para ele ser candidato, terá de fazer acordo com o Serra, que nessas circunstâncias disputaria a reeleição em São Paulo. O Serra candidato a presidente é mais derrotável (sic). O Aécio tem 75% em Minas e neutralizaria São Paulo com apoio do Serra. E ele entra muito mais fácil que o Serra no Rio de Janeiro. Também entra no Nordeste com muito mais facilidade e no Norte, onde o Serra não entra. Ficaria o Sul como um espaço que já está um pouco hostil ao governo Lula. E se for o contrário, o Serra para ser candidato terá de derrotar o Aécio. Derrotando, será visto pelo mineiro como a eliminação da chance de Minas Gerais voltar a ter algum protagonismo na política nacional. Ainda que Aécio declare voto ao Serra, Minas votaria contra. No Rio de Janeiro, ele tem dificuldade de entrar. Ganha bem em São Paulo, mas não entra bem no Nordeste e no Norte.

Valor: Por que o senhor chama o governador Aécio de "projeto de estadista"?

Ciro: No auge da crise do mensalão, o Aécio percebeu claramente que aquele confronto radicalizado com o Lula era contra o país. Eu estava no coletivo que administrou a crise. Eu, a Dilma, o Márcio Thomaz Bastos (então ministro da Justiça), o Antonio Palocci até o momento em que caiu o Jaques Wagner (ex-ministro, hoje governador da Bahia). Diariamente, às 7h da manhã nos encontrávamos para analisar o dia e dali íamos para a sala do presidente. O negócio foi azedando. Chegamos à conclusão que tínhamos que pôr um ponto final ali. Combinamos que a tática seria uma mistura de diplomacia e infantaria : procurar as pessoas, cada um falar com quem pudesse e - quem tivesse aptidão para - mostrar os dentes. Entre outros, falei com o governador Aécio. Promoveu um encontro meu, em Belo Horizonte, com alguns deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Foi importante para que a situação não perdesse o controle. O Aécio compreendeu a gravidade. E o PT deveria respeitar isso. Fiquei muito zangado com a posição do PT de São Paulo, o nacional, em relação ao acordo em Belo Horizonte em torno da candidatura de Márcio Lacerda (PSB) a prefeito.

Valor: Lacerda não está numa situação boa na campanha.

Ciro: Ele vai ganhar. Vai crescer de 12 a 14 pontos percentuais até o sétimo programa de televisão do horário gratuito.

Valor: O senhor gravou participação no programa do Lacerda e de aliados. Mas aqui em Fortaleza não pode gravar para a senadora Patrícia, porque a legislação não permite.

Ciro: Se ela quiser, eu gravo.