Título: A afirmação do Novo Mercado
Autor: Costa , Roberto Teixeira
Fonte: Valor Econômico, 12/08/2008, Opinião, p. A12

Num concorrido almoço realizado no último dia 25 de julho, a BM&F Bovespa celebrou a adesão de 100 empresas ao chamado Novo Mercado. Lançado em dezembro de 2000, constitui-se num esforço coletivo de diferentes segmentos do mercado, sob a liderança da Bovespa e com o apoio integral da CVM.

À época, ouviam-se vozes defendendo que a mão do governo se fizesse presente no mercado, tornando compulsória a conversão de ações preferenciais sem direito a voto em ações ordinárias. Argumentavam que a existência de dois tipos de acionistas criava uma situação de desequilibro na relação da governança, ficando os preferencialistas marginalizados do processo de transferência de controle.

O grupo de trabalho, criado pela Bovespa, concluiu que investidores e empresas compreendiam as vantagens da adoção de regras mais rígidas de governança. A adoção de tais regras com o devido tempo iria valorizar as ações que fossem negociadas nesse segmento, aumentando sua liquidez e inibindo, assim, a transferência da negociação através dos ADRs para o mercado americano, que vinha acontecendo na década dos anos 1990.

Houve também a compreensão de que os direitos dos minoritários por um lado, e a maior transparência para as empresas, certamente seria benéfico ao mercado. As condições básicas então definidas foram: 1) um segmento onde somente podem ser emitidas ações com direito a voto; 2) os acionistas teriam o mesmo direito dos controladores na eventualidade de venda da companhia; 3) transparência nas demonstrações financeiras e na prestação de contas; 4) pelo menos 20% de conselheiros independentes; 5) um "float" mínimo para garantir liquidez; 6) usar a Câmara de Arbitragem especialmente criada para os eventuais casos de litígio.

Compreensivelmente, houve um certo descrédito se o Novo Mercado, que levou algum tempo para decolar, funcionaria efetivamente como pólo de atração.

Em 2002, só duas empresas abriram o caminho, do Novo Mercado por mais de dois anos: a Companhia de Concessões Rodoviárias (CCR) e a Sabesp.

A partir de 2004, depois de alguns anos de um mercado fraco, iniciou-se uma transformação. Os fatores macroeconômicos favoreceram as ações e a Bovespa, com seus segmentos especiais de governança, estava pronta para o grande salto.

O IPO, ou Oferta Pública de Ações, da Natura, do setor de cosméticos, foi um marco importante. Seguindo a Natura, em 2004 mais quatro companhias entraram no Novo Mercado. Em 2005, outras 11; em 2006, mais 26; em 2007, um ano especial, mais 48 companhias. Em 2008, chegamos à centésima adesão com o IPO da OGX, empresa do ramo do petróleo, no mês passado; e à 101ª, há alguns dias, com a migração para o Novo Mercado da Estácio, do setor da educação.

-------------------------------------------------------------------------------- Houve certo oportunismo na entrada de novas empresas no mercado, que abriram capital sem fazer a preparação necessária --------------------------------------------------------------------------------

As 101 empresas tinham um valor de mercado de R$ 445 bilhões, quase 19% da capitalização total da Bovespa. Nas ofertas públicas, elas captaram um total de R$ 96,5 bilhões e trouxeram para o mercado dezenas de milhares de novos investidores individuais.

Para concluir, valeria a pena lembrar que esse período de entressafra que estamos vivendo, devido às condições perversas que vêm afetando os mercados internacionais, particularmente as instituições financeiras, poderia ser aproveitado para uma reflexão para aperfeiçoamentos do Novo Mercado, para que esse selo de qualidade não seja depreciado.

Existe a consciência, entre diferentes protagonistas, de que houve um certo grau de oportunismo na entrada de novas empresas no mercado, particularmente em 2007. A demanda superaquecida estimulou a presença de companhias que foram ao mercado e que não fizeram o necessário trabalho de preparação para abrir o capital. Estimuladas pela euforia, não quiseram perder a oportunidade, fazendo, inclusive, emissões de capital acima de suas necessidades projetadas. Provavelmente, aceitaram as regras do Novo Mercado sem se dar conta exatamente do compromisso que estavam assumindo.

Por seu lado, muitos investidores, principalmente pessoas físicas, não se detiveram numa análise mais profunda do que estavam comprando e não analisaram com a necessária atenção as informações disponíveis, o que nos leva a crer que deveríamos pensar em algumas publicações mais acessíveis e compreensíveis para análise das emissões.

Também deve haver a preocupação de como atrair companhias com capital aberto cotadas em Bolsa, para fazer o "upgrade" para o Novo Mercado.

Existem fases na evolução do mercado em que situações como essas acontecem. Em períodos subseqüentes de calmaria e de transição, as lições e eventuais desvios de rota devem ser analisados. É essa a oportunidade que temos à nossa frente. Nunca é demais lembrar que precisamos ter a concordância de dois terços dos aderentes do Novo Mercado para que as condições sejam alteradas. O que, evidentemente, não será um exercício fácil, porém será necessário.

Gostaria de enfatizar que as autoridades e dos auto-reguladores têm papel limitado na defesa do mercado e de seus investidores. É fundamental que, em momentos de euforia, os intermediários financeiros mais próximos aos aplicadores esclareçam os riscos assumidos e colaborem na compreensão do que é uma aplicação em títulos de renda variável. O mercado deve ter em seus intermediários a maior defesa como guardiões de sua integridade.

Roberto Teixeira da Costa economista, foi o primeiro presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). É sócio-fundador da Prospectiva Consultoria Brasileira de Assuntos Internacionais e ex-presidente do Conselho de Empresários da América Latina.