Título: Atrás de uma explicação
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 03/03/2011, Política, p. 4

Num sistema democrático, o político precisa ter a capacidade de explicar seus atos. Corrijo. Em qualquer situação o político precisa ter a capacidade de explicar seus atos.

Quando o movimento é muito difícil de explicar, tem-se um problema. E quando o político precisa se explicar é porque já está errado.

O projeto de um novo partido sob a liderança do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, carrega atributos e características. Kassab comanda a maior cidade do país, é político jovem e tem obra administrativa. Foi eleito pelo Democratas, que está na oposição ao governo federal.

Kassab tem uma razão explicável para sair do DEM. Desde 2008, o prefeito é adversário de Geraldo Alckmin (PSDB), agora novamente governador de São Paulo. Naquele ano, ambos disputaram a prefeitura e o episódio deixou sequelas.

Ficando no DEM, sigla aliada de Alckmin, Kassab arrisca aprisionar-se numa articulação política em que não é protagonista, ao contrário.

Então, o prefeito pode dizer que vai sair do DEM para ajudar a derrotar o PSDB em 2012 e 2014, e isso só pode ser feito a partir de um campo político antitucano. Portanto, em articulação com o governo federal.

Até aí nada de espantoso. Também nada há de surpreendente quando políticos aliados de Kassab unem-se a ele na empreitada.

O rolo começa quando se observa o método. Criar uma legenda descartável, para contornar o instituto da fidelidade partidária, que a Justiça consolidou recentemente.

Fico imaginando como será a solenidade de fundação do partido. O que vai ser dito nos discursos? O que vão dizer as faixas? Sobre o que versarão as entrevistas?

¿Estamos aqui reunidos para criar um partido de mentirinha. Foi a forma que encontramos para driblar a fidelidade partidária. Fomos eleitos pela oposição, mas queremos apoiar o governo federal e a lei nos proíbe de mudar de legenda. Em no máximo 30 ou 60 dias cada um de nós seguirá seu rumo sem o risco de perder o mandato.¿

Como o eleitor vai receber? Talvez o cálculo de quem planeja o novo partido embuta a esperança de que o eleitor, depois de já ter absorvido tanta coisa, absorva isso também. Especialmente porque falta muito tempo para 2014 e até lá a gambiarra pode ter sido digerida e esquecida.

Uma dúvida razoável do eleitor seria esta: ¿Se o senhor acha o governo bom e que merece apoio, por que o senhor não disputou a eleição num partido da base de sustentação do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva?¿.

E como reagirá a Justiça? Eis uma incógnita. Talvez a força do governo federal nas instâncias superiores ajude, mas vai saber?

Se o eleitor precisa esperar até 2012 ou 2014 para dizer o que acha, a Justiça tem o poder de decidir na hora em que quiser. E a confusão vai ser grande, com um punhado de partidos guerreando nos tribunais contra parlamentares emigrantes. Uma confusão que tem tudo para transbordar dos limites jurídico-partidários e contaminar o organismo político.

Uma possibilidade é a Justiça exigir que a nova legenda dispute pelo menos uma eleição antes de a turma ficar liberada para transferir-se a partidos pré-existentes.

Isso atrapalharia o cronograma desejado, que prevê a fundação em março, a organização nacional até julho e a fusão/dissolução em agosto. Tudo muito rápido. Pá-pum.

E o governo? Por enquanto, as resistências ao projeto do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) para a reforma do Código Florestal concentram-se no PV e em parte do PT.

A dúvida está em como se comportará o governo. Vai deixar o barco correr ou vai interferir para tirar o PT do isolamento? Hoje o relatório tem votos suficientes nas bancadas.

Sinceridade O episódio da não nomeação de Emir Sader reforça a impressão de que a maneira mais rápida de alguém perder sua posição neste governo é chamar um jornalista e dizer o que pensa.

Já havia acontecido com o secretário nacional antidrogas e agora acontece no Ministério da Cultura.