Título: Bem-vinda, Unesco
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: Correio Braziliense, 05/03/2011, Opinião, p. 17

Tereza Cruvinel Jornalista, presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) Rancores abrandados, um dia a algaravia há de cessar. Os temores, sinceros ou não, hão de dar lugar ao debate racional, à reflexão comparativa e às formulações sobre a regulação de mídia e convergência digital que não tenham outro interesse senão o de aprimorar a democracia brasileira e fortalecer um de seus pilares, a liberdade de imprensa e de expressão.

Em artigo publicado no jornal Valor Econômico do dia 28 passado, o jornalista Sergio Leo informou a entrada de um novo ente nesse debate conturbado e distorcido, a Unesco. De fato, a agência da ONU encarregada de desenvolver ações globais a favor da educação, da ciência, da cultura e da comunicação vem acompanhando com atenção esse debate e a própria evolução dos sistemas de radiodifusão e telecomunicações no Brasil. Agora, seu ingresso no debate regulatório pode trazer uma brisa, podendo a Unesco até atuar como uma espécie de ¿força de paz¿ intelectual, aproveitando o clima criado por essa espécie de distensão nas relações entre a mídia e o governo-Estado, traduzida na inegável lua de mel entre a presidente Dilma e os meios de comunicação (embora pareça existir uma ordem de fogo unido contra o ex-presidente Lula).

A ofensiva da Unesco no debate terá um ponto alto em 17 de março, quando serão lançados três importantes estudos sobre regulação, informa o coordenador de Informação e Comunicação, Guilherme Canela. Dois são assinados pelos consultores internacionais Toby Mendel e Eve Salomon. Juntos, eles já trabalharam em mais de 60 países com o assunto. No estudo O ambiente regulatório para a radiodifusão: uma pesquisa de melhores práticas para os atores-chave brasileiros¿, eles comparam a regulação de mídia em 10 democracias (África do Sul, Alemanha, Canadá, Chile, França, Estados Unidos, Jamaica, Malásia, Reino Unido e Tailândia) com a situação brasileira. A abordagem contempla temas como autoridades reguladoras independentes, concessões, regulação e autorregulação de conteúdo, emissoras públicas, emissoras comunitárias e regulação de propriedade. Em Liberdade de expressão e regulação da radiodifusão, eles sustentam que a lógica central da política regulatória deve ser exatamente fortalecer a liberdade de expressão. E não restringi-la, como se consegue ouvir na algaravia brasileira sobre o assunto.

Um terceiro texto é do consultor internacional Andrew Puddephatt e aborda A importância da autorregulação da mídia para a defesa da liberdade de expressão. Entende a Unesco que é importante esclarecer: jornalismo é matéria para autorregulação, mas os veículos também devem construir instrumentos claros e consistentes. A agência reguladora, afora a questão do direito de resposta, cuidaria de temas como conteúdo regional e independente e aspectos da convergência tecnológica.

No fim do governo Lula, o ex-ministro Franklin Martins deu importante contribuição para nosso avanço no tema. Realizou um seminário internacional que trouxe a Brasília especialistas e autoridades reguladoras de vários países. Na TV Brasil, entrevistamos o presidente da ERC, a agência portuguesa. A seguir, criou um grupo de trabalho que elaborou a proposta ora em exame no Minicom. Pela qualidade dos integrantes, não creio, ministro Paulo Bernardo, que tenha besteiras. As iniciativas de Franklin foram rechaçadas pela mídia e de outros setores.

Em 2007, a Unesco contribuiu, mas de forma mais tímida, com o debate sobre a criação da EBC, da televisão e demais canais públicos. Para que debate? Melhor falar na TV do Lula. Da mesma forma, com a proposta de Franklin, melhor falar em supressão da verdade ou especular sobre seu pendor censório. Mas, agora, há o frescor de um governo novo e uma instituição como a Unesco disposta a atuar de forma mais incisiva. Devemos saudar essa novidade, começando por deixar os rancores e as suspeitas fora da discussão sobre os estudos que ela apresentará no dia 17. Pela democracia, pela liberdade de expressão.