Título: Cerrado sob ameaça de extinção
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Fonte: Correio Braziliense, 05/03/2011, Opinião, p. 16

A devastação da cobertura vegetal do cerrado obedece a escalada que, não contida de forma severa, eficaz, poderá levá-lo a extinção com a mesma velocidade das derrubadas e uso predatório do solo: Encaixa-se no contexto perverso o encontro de considerável quantidade de madeira nobre serrada (cerca de 50 metros cúbicos) em fazenda do ex-deputado distrital Pedro Passos. O Batalhão Ambiental da Polícia Militar do DF está convencido, ante as frágeis justificativas do proprietário, que o lote de angico e aroeira foi extraído a margem do respeito à lei. A nota fiscal apresentada, na avaliação dos policiais, não elide o caráter de ação anticonservacionista punível por normas específicas da legislação.

O episódio repõe em cena o problema do desmatamento e de incêndios criminosos em região tão importante para o equilíbrio ecológico do país quanto a Amazônia Para os que nela se instalam com projetos violadores do ecossistema, sempre há fortes resistências às cautelas preservacionistas. E o fazem em nome de conveniências econômicas que, alegam, servem ao desenvolvimento nacional. Mas a desertificação; catástrofe inapelável se não estancada a fúria contra a natureza, condenará o Brasil a enfrentar consequências calamitosas. Consequências, convém advertir, que avançarão muito além do cerrado.

Não se trata de teoria construída pela exaltação de ecologistas radicais, Os fatos lhe dão pleno suporte lógico. Dos 204 milhões de hectares que compõem o cerrado, 47,84% já foram destruídos e a metade das áreas remanescentes se encontraram bastante alterada. Conforme pesquisadores do Programa Cerrado CI-Brasil, o bioma pode desaparecer até 2030. O prognóstico com certeza se cumprirá se não houver controle sistemático da União e dos estados que hospedam o enorme acervo natural e sua imensa biodiversidade. Mais grave é que a calamidade colocará em risco a sobrevivência de outras biomassas.

Os recursos hídricos do cerrado não servem apenas, para garantir-lhe abastecimento necessário à vida de mais de 10 mil espécies vegetais e notável população de vertebrados terrestres e aquáticos, assim como também de invertebrados. Nas chapadas que conformam sua orografia, situam-se as nascentes dos principais rios das bacias amazônica, do São Francisco e do Prata. É possível imaginar a hecatombe resultante de eventual extinção de semelhantes fontes de água.

O corte de árvores em propriedades rurais e a irresponsável exploração de potenciais econômicos são rotinas que se intensificam a cada instante. Sabe-se que chega a 1,5% (algo em torno de 3 milhões de hectares/ano) a destruição do cerrado. O caso do ex-deputado Pedro Passos é acontecimento que deve despertar mais vigilância e combate à depredação. E alertar, as autoridades federais para as ameaças a uma das mais ricas biodiversidades do mundo.