Título: Alta das commodities agrícolas fortalece cooperativas do país
Autor: Zanatta, Mauro
Fonte: Valor Econômico, 06/08/2008, Agronegócios, p. B12

A perspectiva de manutenção de preços internacionais elevados para as commodities agrícolas tem gerado forte valorização dos ativos das cooperativas do agronegócio, sobretudo nos segmentos de grãos e carnes. A tendência, evidenciada nos resultados dos grupos mais profissionais, destoa da realidade de algumas grandes tradings multinacionais do agronegócio, às voltas com dificuldades de caixa para cobrir operações em mercados futuros na safra passada.

Favorecidas pelo salto global dos ativos do campo, as cooperativas têm acelerado planos de novos investimentos na industrialização de matérias-primas e, em regiões como o Rio Grande do Sul, optado pela associação em grandes centrais como forma de ampliar margens e reduzir custos. A receita passa pela diversificação das atividades e a agregação de valor à produção. "Nosso poder de fogo aumentou. É igual ou melhor que as grandes multinacionais", diz o presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), Márcio Lopes de Freitas. "Trabalhamos com sócios, e não com clientes, o que reduz a taxa de risco. Fazemos ativos sem ter que bancar estoques enquanto as tradings têm que comprar para armazenar".

No Paraná, modelo nacional para o segmento, as cooperativas prejudicadas pelos efeitos da inflação nos anos 90 aproveitam o bom momento para faturar com a alta das cotações. Neste ano, os grupos paranaense estimam faturar R$ 18 bilhões. Os investimentos devem somar R$ 1,3 bilhão.

A Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar) prepara a criação de um consórcio de grupos para comprar fertilizantes em conjunto e reduzir os preços.

Maior cooperativa do país, a Coamo, de Campo Mourão (PR), apontou, em recente entrevista ao Valor, a profissionalização e o apartidarismo como chaves para o segmento. O presidente Aroldo Gallassini diz ter "tudo na ponta do lápis", mas reconhece dificuldades com a especulação em mercados futuros. O grupo trabalha sob o conceito "cooperativa-empresa"e disputa espaço com as principais tradings do setor. "A Coamo é o exemplo de que o sistema cooperativista agrícola brasileiro deu certo", afirma o dirigente.

O presidente da federação das cooperativas gaúchas (Fecoagro), Rui Polidoro Pinto, afirma que as estratégias do segmento atendem à "necessidade crescente de caixa". E o momento parece ser ideal para o fortalecimento das cooperativas. O consultor em cooperativismo Luís Humberto Villwock avalia que o segmento "é mais consistente e mais profissional" do que nos anos 70 e 80, mas ainda existe uma "depuração grande" a ser feita, além de evitar "euforia desmesurada" como na época de crédito "farto e barato".

Maior cooperativa do Centro-Oeste, a Comigo, de Rio Verde (GO), reflete em boa medida o "boom" das matérias-primas e o momento de fortalecimento do segmento. Em processo de ampliação da capacidade de armazenagem nos 12 municípios do sudoeste de Goiás onde atua, a Comigo poderá receber nesta safra até 940 mil toneladas - ou 15 milhões de sacas.

Há 22 anos no comando da sociedade, Antonio Chavaglia diz que essa posição faz a diferença na comparação com as operações das tradings. "Quando há flutuação de preços, mas se tem ativos de produção, é bem menos arriscado", afirma. "Temos sempre o produto na mão. Assim, podemos acompanhar os preços. Quem não tem, entra na especulação e corre mais riscos". Em 2008, a Comigo prevê dobrar o faturamento, chegando a R$ 1,4 bilhão. E deve seguir a tradição de fechar poucos contratos em mercados futuros, já que privilegia os clientes no mercado interno.

A cooperativa acelera investimentos de R$ 20 milhões nas estruturas de recepção de soja, milho e sorgo para sustentar elevação de 20% na capacidade de secagem de grãos. Neste ano, os cooperados de Caiapônia, Iporá e Montes Claros terão armazéns do grupo.

Dona de uma fábrica de esmagamento de soja para 2,5 mil toneladas diárias, de onde saem o óleo da marca e o farelo para a exportação, a Comigo ampliará ainda mais os ganhos com a venda de 200 mil toneladas de adubo de sua misturadora. Os preços subiram 50% em média. "Nessa hora, somos o ponto de referência e equilíbrio para o produtor porque damos assessoria técnica e financeira. Não somos só vendedor de insumos", diz Chavaglia.

Embora otimista, a Comigo enfrenta problemas para diversificar a atuação, focada em grãos. O polêmico avanço da cana-de-açúcar no sudoeste de Goiás motivou briga judicial da prefeitura de Rio Verde para colocar travas ao processo e tem reduzido a área plantada de 1 milhão de hectares de soja, milho e sorgo na região. A tendência eleva os preços e acirra a concorrência com as tradings.

"Em cinco anos, vamos perder 300 mil hectares para a cana", diz o vice-presidente da Comigo, Aguilar Ferreira Mota. "É um fato consumado". A Comigo debate incentivar alternativas, como entrar no ramo de frigoríficos de bovinos. "Vamos ser obrigados a tomar uma atitude. Talvez tenhamos que entrar em frangos e suínos. Ou um fábrica de sucos prontos", diz Aguilar. Uma usina de etanol está descartada. "É caro demais porque precisaríamos de várias unidades", diz Chavaglia.(Colaborou Fernando Lopes, de Campo Mourão).