Título: A compensação ambiental e o Supremo
Autor: Doria , Maria Alice
Fonte: Valor Econômico, 03/07/2008, Legislação & Tributos, p. E2

Desde a sua concepção, a compensação ambiental tem sido objeto de grande polêmica por parte dos empreendedores responsáveis pelas grandes obras de infra-estrutura no país. Foram diversas as controvérsias e discussões que motivaram a proposição, pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), de uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) desafiando a constitucionalidade do artigo 36 e respectivos parágrafos 1º, 2º e 3º da Lei Federal nº 9.985, de 2000 - a Lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC).

O instituto da compensação ambiental está previsto no artigo 36 da lei do SNUC, que determina que, nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento no estudo de impacto ambiental, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de uma unidade de conservação do grupo de proteção integral, de acordo com o disposto na legislação e com as diretrizes gerais que orientam os procedimentos para aplicação da compensação ambiental, conforme o Decreto nº 4.340, de 2002.

O valor a título de compensação ambiental vinha sendo calculado de acordo com o previsto no texto legal, com a aplicação de um percentual mínimo de 0,5% sobre o valor total correspondente à implantação do empreendimento. Esse percentual era fixado pelo órgão ambiental competente para proceder ao licenciamento, de acordo com o grau de um potencial impacto ao meio ambiente, ou seja, compensava-se hipoteticamente um eventual futuro dano ambiental. A legislação ambiental não estabelece qualquer limite máximo para esse percentual, havendo casos em que o órgão ambiental majorava este percentual discricionariamente, seguindo critérios subjetivos.

Diversas discussões ocorreram em torno do tema, o que levou à aprovação e publicação, em 6 de abril de 2006, da Resolução nº 371 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que prevê diretrizes gerais para orientar os órgãos ambientais acerca dos procedimentos necessários para cálculo, cobrança e aplicação dos recursos de compensação ambiental. Pela resolução, até que esses órgãos publicassem suas metodologias para a definição do grau de impacto ambiental, o percentual seria fixado em 0,5% dos custos previstos para a implantação do empreendimento - ou seja, um "congelamento" do percentual.

Todavia, apesar de algumas distorções terem sido corrigidas pela referida resolução, outras deformidades e conseqüentes controvérsias não haviam sido dirimidas, tais como a base de cálculo da compensação ser o custo de implantação do empreendimento. Raras vezes, projetos caros necessariamente são os que causam maiores impactos ao meio ambiente, mas eram os que sempre acabavam arcando com os maiores valores absolutos a título de compensação ambiental. Por isso, tão importante é o julgamento do dia 9 de abril do Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou parcialmente procedente a Adin em comento.

O pleno do Supremo declarou a inconstitucionalidade das expressões "não pode ser inferior a 0,5% dos custos totais previstos na implantação de empreendimento" e "o percentual", constantes do parágrafo 1º do artigo 36 da Lei do SNUC. Ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio de Mello, que julgou inconstitucionais todos os dispositivos, e Joaquim Barbosa, que deu ao dispositivo interpretação conforme a Constituição Federal sem redução de texto.

Ao fim do julgamento ficou reconhecida a constitucionalidade do instituto da compensação ambiental e a inconstitucionalidade do percentual mínimo de 0,5% e da vinculação da compensação aos custos totais do empreendimento. Assim sendo, prevaleceu a corrente que defende estar o pagamento de uma compensação ambiental fundamentada no princípio do poluidor-pagador, que determina a obrigação do poluidor de reparar ou, quando impossível a reparação, indenizar o meio ambiente pelos danos causados pela sua atividade, independentemente de culpa - a chamada responsabilidade civil objetiva.

Todavia, para que esteja configurada a responsabilidade civil ambiental, é indispensável a comprovação de dois fatores: a existência do dano e a do nexo de causalidade entre a atividade e o dano propriamente dito. Seria impossível determinar parâmetros isentos de arbitrariedades por meio da administração pública, para os fins de quantificação do montante a ser pago, já que o dano sequer ocorreu. Sendo assim, o método previsto pelo novo Código Civil brasileiro, em seu artigo 944, que diz ser a extensão do dano a medida necessária para os fins de estipulação da indenização a ser paga, não poderia ser obedecido.

Some-se a isso o fato de que o critério indicado pelo parágrafo 1º do artigo 36 da Lei do SNUC que determina ser o órgão ambiental licenciador o responsável por fixar o montante a ser destinado para essa finalidade, de acordo com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento, é falho em sua estrutura. Isso porque, tal parâmetro, além de contrariar os ditames do artigo 944 do Código Civil, inviabiliza uma justa quantificação, pois tais impactos ambientais ainda não foram concretizados. Mesmo com a definição de metodologias para o cálculo do grau de impacto ambiental, persistia a extrema dificuldade em valorar economicamente bens e serviços ambientais. Portanto, são evidentes os problemas gerados em se considerar a natureza jurídica da compensação ambiental como sendo a de indenização.

Como vimos, o instituto da compensação ambiental demanda ajustes para o seu perfeito enquadramento no ordenamento jurídico pátrio. Mais importante ainda é compreender como reagirão os órgãos ambientais na operacionalização da compensação ambiental, que, nesta última década, muito contribuiu para o incremento quantitativo e qualitativo da rede nacional de unidades de conservação. Devemos aguardar os recursos do Ministério do Meio Ambiente e da CNI que esclarecerão pontos nebulosos da decisão do Supremo - tais como os seus efeitos e sua retroatividade e o tempo que terão os órgãos ambientais para implementá-la.

Maria Alice Doria e Luiz Gustavo Bezerra são, respectivamente, sócia e advogado da área ambiental do escritório Doria, Jacobina, Rosado e Gondinho Advogados Associados

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