Título: Morre Ruth Cardoso, aos 77 anos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 25/06/2008, Política, p. A7

Morreu ontem em sua casa, em São Paulo, aos 77 anos, Ruth Vilaça Correia Leite Cardoso, mulher do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ela havia sido internada na quinta-feira no Hospital Sírio Libanês com angina, dor no peito provocada por fluxo insuficiente de sangue no coração. Teve alta na segunda-feira de manhã e, à tarde, foi submetida a cateterismo no Hospital do Rim e Hipertensão, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A ex-primeira-dama era portadora de dois stents (próteses), implantados para manter desobstruído o fluxo sanguíneo.

A ex-primeira-dama sofreu um infarto fulminante por volta das 20h quando conversava com o filho Paulo Henrique Cardoso na sala de seu apartamento em Higienópolis, centro de São Paulo. Ela desmaiou e caiu na sala, morrendo instantâneamente. O ex-presidente não estava em casa e foi chamado pelo filho.

Pode ser que o enterro não aconteça hoje porque Beatriz, uma de suas filhas está em Barcelona. Um dos locais prováveis do velório é o Centro Acadêmico Maria Antonia, da USP, no centro de São Paulo.

O governador José Serra (PSDB), que chegou à casa de Ruth Cardoso, às 21h55, decretou luto oficial de três dias no Estado de São Paulo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva cancelou reunião marcada para amanhã com o conselho político do governo na expectativa de que o enterro seja confirmado para hoje em São Paulo, ao qual deve comparecer.

O PSDB cancelou as comemorações de 20 anos da legenda, marcadas para hoje, no Congresso. Em telefonema ao líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), FHC mostrou preocupação com a saúde da esposa que, segundo seu relato, demonstrava cansaço. O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra, acrescentou ter ouvido de Serra que a ex-primeira-dama, depois da alta no Sírio Libanês, teria uma vida "com mais restrições, mas sem perigo".

"Ela era uma consciência da gente", disse Virgílio. O senador lembrou-se de duas ocasiões em que Ruth lhe serviu de termômetro. Ambas no ano passado. Ela o teria elogiado por sua atuação contrária à prorrogação da CPMF. Em compensação, criticou-o fortemente quando o senador pegou carona no Airbus presidencial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para o enterro do senador Ramez Tebet. "Ainda bem que eu tinha só duas orelhas", recordou-se Virgílio. "Foi uma primeira-dama discreta e exemplar. Abriu espaços para programas que depois tomaram grande dimensão", disse o presidente do PSDB, Sérgio Guerra.

O antropólogo Gilberto Velho, seu ex-orientando, disse ter conversado com Ruth há cerca de um mês, quando falaram sobre o caso dos cartões corporativos, quando a Casa Civil da Presidência foi acusada de preparar um dossiê em que constavam gastos pessoais seus. "Ela estava magoada com essas denúncias, mas não guardava rancor de ninguém", disse o antropólogo.

Nascida em Araraquara, interior de São Paulo, estava casada com FHC há 53 anos. Deixa três filhos, Paulo Henrique, Beatriz e Luciana e seis netos. Antropóloga, obteve seu doutorado na Universidade de São Paulo em 1972 com a tese "Estrutura Familiar e Mobilidade Social: Estudo dos Japoneses no Estado de São Paulo". Professora aposentada da USP, atuou ainda no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), na Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais, na Universidade do Chile, na Maison des Sciences de L ? Homme, em Paris, na Universidade de Berkeley, Califórnia, na Universidade de Columbia, em Nova Iorque e no Centro para Estudos Latino-Americanos da Universidade de Cambridge .

Durante o mandato do marido, fundou e presidiu o Comunidade Solidária, organização responsável por programas sociais e de voluntariado e imprimiu um novo perfil às atividades filantrópicas tradicionalmente reservadas ao cargo. "Eu tinha muito claro que a mulher do presidente, não a primeira-dama, não podia ter ingerência direta no governo", disse, em entrevista à Época, em 2000. Numa das poucas entrevistas que deu durante o governo Lula, atribuiu a falta de avaliação de resultados como origem das denúncias de corrupção nas ongs. "Duvido que alguém conheça uma avaliação séria dos programas em curso", disse ao Valor, em 2007. "Avaliação de programa social no Brasil é feita assim: as pessoas verificam se os 'olhinhos' das crianças brilham. Não é assim que se avalia." Foi dura com as parcerias com ongs: "Parceria não é só repassar recursos".

Discreta e avessa à invasão de sua privacidade, Ruth Cardoso causou polêmica à época da campanha eleitoral de seu marido à Presidência, ao declarar que "O PFL tem ACM, mas também tem (Gustavo) Krause e (Reinhold) Stephanes". No governo, atuou com discrição e avessa à invasão da privacidade de sua família. Ao deixar o governo, fundou a Organização Não-Governamental Comunitas para dar continuidade ao Comunidade Solidária.