Título: Antes que venha a tempestade
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 16/06/2008, Opinião, p. A12

Uma verdadeira democracia não persegue apenas crescimento econômico. O voto permite que a parcela mais carente da população expresse seus anseios, tornando inevitável o surgimento de programas sociais como o Bolsa Família. No entanto, somente o despertar do Estado para a questão social é insuficiente para promover o pleno desenvolvimento. A despeito da gradativa atenuação da miséria, uma constante desde a redemocratização do país, ainda falta muito para a sua redução a níveis aceitáveis.

É bem verdade que a entrada das grandes massas no processo decisório, por meio do escrutínio eleitoral, transformou o Estado brasileiro, alterando definitivamente seu foco de atuação. A despeito de eventuais deslizes populistas, a necessidade de conquistar votos levou à multiplicação dos programas sociais voltados, especialmente, para os segmentos mais desfavorecidos da sociedade, produzindo, com isto, uma louvável melhoria dos índices sócio-econômicos. Entretanto, os resultados colhidos nos últimos 20 anos ainda são frágeis. É preciso ainda criar as condições para que ocorra o crescimento sustentado. A teoria econômica ensina importantes lições sobre esse desafio.

Um dos estudos pioneiros foi publicado pelo economista norte-americano Robert Solow, cujas descobertas, em meados dos anos 50, já indicavam que um fator primordial para o desenvolvimento é o progresso tecnológico.

Outros artigos, mais recentes, elaborados por economistas do peso de David Romer, Robert Barro e Robert Lucas, aprofundaram esta constatação, evidenciando que, embora a acumulação de capital seja necessária - portos, fábricas, infra-estrutura em geral - ela não basta para promover desenvolvimento. Para atingir essa nobre condição, são imprescindíveis pesados investimentos em capital humano.

A história recente dos Tigres Asiáticos é prova cabal deste fato. Neste assunto, porém, a miopia dos governantes brasileiros impressiona.

Segundo estudo dos economistas Barbosa Filho e Samuel Pessoa, da FGV, as taxas médias de retorno da educação no Brasil são extremamente elevadas. Levando em conta os custos para manutenção de um aluno, o retorno no ensino médio é de 13,7%, subindo para 19,1% no fundamental. Trata-se, logo, de um excelente investimento.

Entretanto, sem o mesmo apelo eleitoral dos programas assistencialistas, as inserções em capital humano continuam tímidas. Por exemplo, durante a gestão FHC, o gasto médio com a função Educação foi de apenas 7,85% do orçamento federal, contra 46,39% em benefícios previdenciários. Estes números pioraram no primeiro mandato do presidente Lula, com os gastos na função Educação caindo para 5,95%, simultaneamente à expansão dos benefícios para 51,43%.

As implicações são trágicas.

-------------------------------------------------------------------------------- A valorização dos ativos brasileiros relaciona-se muito mais com a redução do risco-país do que com a premiação de boas idéias --------------------------------------------------------------------------------

Segundo dados do IPEA, o número de desempregados, em 2007, foi de aproximadamente 9,1 milhões de indivíduos, dos quais 18,63% podiam ser considerados qualificados. No entanto, enquanto o excesso de oferta de trabalho entre os indivíduos satisfatoriamente educados rondou ínfimos 84 mil empregos, o déficit entre aqueles com baixa qualificação foi de 7,5 milhões de postos. O cenário, portanto, é claro: não basta criar empregos, é preciso também investir naqueles que irão ocupá-los, a não ser que se ampliem tão-somente as vagas cuja necessidade de qualificação seja irrelevante.

O efeito perverso da falta de preparo ecoa, inclusive, em áreas celebradas pelo bom desempenho, como o mercado financeiro e o comércio externo.

A análise da pauta de exportações brasileiras, por exemplo, não deixa dúvidas. Em 1996, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), a parcela de produtos de alta tecnologia correspondia a 4,3% das vendas externas, com os bens de baixo valor agregado somando 36%. Uma década depois, apesar do incremento de 280% no valor total de exportações, não houve evolução qualitativa. Em 2007, o grupo de baixa tecnologia continuou liderando a pauta, com 27,9% do total, tendo a participação dos bens de alto valor agregado crescido para apenas 6,8%.

Naturalmente, um país que não investe em educação, não produz inovação tecnológica. Esta óbvia conclusão é também observada no mercado financeiro. Seguindo critérios da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), das 476 empresas listadas na Bovespa, no final de 2007, apenas 16 podiam ser classificadas como de alta tecnologia. Ademais, das 20 ações mais negociadas, nenhuma é representante deste setor. Ou seja, a valorização dos ativos brasileiros relaciona-se muito mais com a redução do Risco Brasil do que com a premiação de boas idéias.

Uma constatação imediata é que o atual crescimento econômico do país é basicamente uma conseqüência de um raro momento de bonança global. Desde 2003 a economia mundial cresce acima de sua média histórica dos últimos 40 anos, de 3,71%. Apenas em 2006, o PIB mundial cresceu 5,4%, superando os 3,7% da economia brasileira. Em outras palavras, apesar da bonança internacional, o brasileiro continua despreparado, amparado apenas por programas assistenciais que aliviam o flagelo da pobreza, mas são incapazes de promover uma solução definitiva.

A realidade, portanto, é dura e esquecida com facilidade, na ebriedade dos últimos anos de calmaria da economia mundial. Nunca, na história da humanidade, uma nação venceu os obstáculos ao desenvolvimento sem investir maciçamente em educação, sobretudo educação básica. Resta, portanto, que nas próximas eleições a sociedade clame por verdadeiras transformações, evitando desperdiçar uma rara oportunidade para verdadeiramente modificar o Brasil.

Ainda é tempo, antes que venha a tempestade.