Título: Ambientalistas discutem compensação financeira para preservar as florestas
Autor: Chiaretti, Daniela
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2008, Brasil, p. A2

Fernanda Preto Sebastião Manchinery: "É necessário que sejam garantidos nossos direitos" Nas discussões sobre como enfrentar as mudanças climáticas, uma pequena sigla ganha cada vez mais espaço - REDD, ou Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação. Na visão de cientistas e pesquisadores, a abreviação que, em inglês, remete à cor vermelha, é, na verdade, uma arca do tesouro verde: o conceito pode ser o instrumento mais poderoso para salvar as florestas tropicais do planeta.

Sob esse guarda-chuva, hoje com definição e espaços tão amplos quanto vagos, podem se beneficiar governos e pequenas comunidades, acreditam seus defensores. Programas de REDD podem abranger políticas de combate ao desmatamento, o reconhecimento dos serviços ambientais prestados pelas matas, o direito das nações indígenas e das populações tradicionais que vivem nas florestas e mecanismos de compensação financeira para quem preserva.

"Com o discurso da biodiversidade nós nunca conseguimos um espaço como este", disse o ecologista florestal Daniel Nepstad aos 70 representantes de povos da floresta da América Latina, África e Ásia reunidos em um seminário que discute mudanças climáticas, em Manaus. "Está todo mundo preocupado com o aquecimento global e o momento, agora, é REDD", prosseguiu Nepstad, que há 24 anos estuda a Amazônia, é professor universitário no Rio e no Mato Grosso e pesquisador do Woods Role Research Center, um instituto de pesquisa ambiental em Massachusetts. "REDD é um espaço de negociação que não tem igual."

Neste flanco de oportunidades da questão climática, defensores do conceito acreditam que por ali se pode resolver um ponto crucial na proteção das florestas: dar valor à mata em pé. "Queríamos algo que invertesse a lógica da doação", lembrou Márcio Santilli, do Instituto Socioambiental (ISA), ao contar como a idéia de REDD foi surgindo nas negociações internacionais de combate às mudanças climáticas.

O "algo" funcionaria basicamente assim: os países com florestas tropicais que reduzirem seu desmatamento têm que comprovar o que conseguiram; isso feito, recebem uma compensação financeira. "Não é favor", prosseguiu. "Teriam que nos pagar por isso como uma obrigação e não como um favor", continuou Santilli, que já foi presidente da Funai.

O que está em jogo são as negociações do regime internacional do clima no pós-2012, quando termina o primeiro período de compromisso do Protocolo de Kyoto. A Conferência de Bali, no fim de 2007, traçou um horizonte de dois anos para que se acerte como o mundo irá combater e se adequar aos efeitos do aumento da temperatura. Se os países desenvolvidos têm a responsabilidade histórica pelo problema, há novos atores entre os grandes emissores de gases-estufa, e o Brasil é protagonista com as emissões pelo desmatamento. Um dado de Nepstad mostra claramente a responsabilidade brasileira. Se tudo continuar como está na Amazônia, com exploração de madeira, desmatamento e queimadas por pressão da fronteira agrícola, um estudo indica que a floresta poderá emitir 20 bilhões de toneladas de carbono até 2030. Este volume é duas vezes o total de emissões mundiais de todo o mundo nos dias de hoje.

O grande potencial do REDD é também o mais polêmico e o mais desejado - é aí que podem existir formas de compensação financeira para quem preserva a floresta, sejam governos ou comunidades. Há quem defenda que esses mecanismos fiquem atrelados ao mercado de carbono. Quem critica a idéia teme que países desenvolvidos, que têm compromissos de corte de emissões de gases-estufa, usem a fórmula para poluírem em outro lugar do planeta. A dúvida veio à tona ontem. Adrien Sinafasi Makelo, representante da República Democrática do Congo, perguntou: "Se a pessoa que nos der o dinheiro for um grande poluidor, ele vai continuar poluindo, mas com a consciência limpa?"

Atrelar programas de REDD ao mercado de carbono é uma das fórmulas em discussão. O governo brasileiro tem outra - criar um fundo voluntário de doação, onde os países ricos colocariam contribuições desde que os países com florestas demonstrassem o quanto vêm combatendo o desmatamento. O Banco Mundial também está nesse caminho - criou um fundo de carbono de US$ 300 milhões, onde pretende destinar verba para capacitação de comunidades e testar projetos-piloto de redução de emissões por florestas.

Por enquanto, sobram dúvidas. Peter Frumhoff, da Union of Concerned Scientists, procurou mostrar que REDD é um conceito novo, em discussão e em construção. "Esse é o momento de começar a ver como formular propostas que possam ser incorporadas às decisões de governo. Seringueiros, pescadores, pequenos lavradores, extrativistas e representantes de povos indígenas reunidos em Manaus escutaram com atenção.

"É necessário que sejam garantidos os nossos direitos", resumiu Sebastião Manchinery, representante dos manchinery, do Acre. "A compensação pelos serviços ambientais", prosseguiu, referindo-se aos efeitos benéficos da floresta preservada sobre o clima.

A repórter viajou a convite do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam)