Título: Obama e o dever de casa
Autor: Tollini, Helio
Fonte: Correio Braziliense, 11/02/2011, Opinião, p. 15

Mestre em economia rural pela Universidade Federal de Viçosa e Ph.D. em economia pela Universidade do Estado da Carolina do Norte (EUA)

No discurso sobre o Estado da União, Barack Obama disse que ajudará países em desenvolvimento a aumentarem suas produções de alimentos. Não se pode duvidar das intenções do presidente dos Estados Unidos quanto a esse nobre objetivo. Em época de acentuado aumento dos preços internacionais das commodities, a necessidade de aumentar a produção de alimentos se torna ainda mais urgente.

Para lograr êxito nesse objetivo, Obama terá de mudar duas coisas na política agrícola do país. A primeira é a política de ajuda alimentar a países pobres. A segunda, a política de incentivo e proteção à produção interna. As duas políticas são interligadas e muito difíceis de serem mudadas. Os interesses envolvidos são muitos e poderosos.

As boas intenções do Programa Mundial de Alimentos de ajudar países com deficits na produção de alimentos, como ocorre periodicamente com algumas nações africanas, não impediram que enormes interesses distorcessem os objetivos do projeto. Esse programa bem-intencionado foi apropriado por interesses produtivos de alguns países, principalmente americanos e europeus.

No livro Enough ¿ Why the world¿s poorest starve in an age of plenty (Basta ¿ Porque os mais pobres do mundo morrem de inanição em uma época de abundância), os jornalistas e autores Roger Thurow e Scott Kilman descrevem a situação da fome na África em épocas críticas, como 2003. Dizem eles: ¿Subsídios agrícolas nos Estados Unidos e na Europa começaram como um veículo para ajudar agricultores pobres a se recuperarem de calamidades econômicas ou de efeitos de guerras. Em 2007, os países desenvolvidos, os ricos do mundo, pagaram US$ 260 bilhões em apoio a seus próprios agricultores, tornando impossível para agricultores de outros países competirem sem subsídios e se tornarem produtores fortes em lugares como a África subsaariana. Além disso, as instituições financeiras internacionais, controladas pelos Estados Unidos e Europa há muito tempo, proíbem governos africanos de subsidiar seus agricultores sob pena de não receberem quaisquer empréstimos. Assim é, também, com a ajuda alimentar americana, que começou como forma de ação generosa em relação aos famintos e se tornou um conjunto de direitos fortemente protegidos para aqueles que deveriam prover ajuda. Um band-aid para o pobre é agora uma indústria para o rico. Na Etiópia, em 2003, os Estados Unidos doaram mais de US$ 500 milhões na forma de grãos produzidos nos Estados Unidos, mas apenas US$ 5 milhões em ajuda para desenvolvimento agrícola que poderia evitar que os pobres viessem a se tornar famintos¿.

Ajuda alimentar é importante em momento crítico, e tem de ser seguida de ajuda ao desenvolvimento da capacidade produtiva dos países pobres, não de mais ajuda alimentar. Continuada, a ajuda alimentar destrói as possibilidades e esperanças de progresso. Será difícil para o presidente Obama mudar a política antes das eleições para um segundo mandato. Em novo governo, poderia tentar fazer algo, mas a tarefa continuará muito difícil.

Por coincidência, a revista The Economist, de 29 de janeiro, traz reportagem intitulada ¿Hungry for votes¿ (¿Faminto por votos¿) sobre a política de alimentos. O trabalho lembra que houve uma proposta de legislação para mudar os esforços americanos de ações emergenciais para investimentos de longo prazo, indispensáveis para construir a capacidade de produção nos países necessitados. A proposta parece ter sido rejeitada. Se quiser construir uma política de ajuda aos países pobres que realmente venha a criar maior capacidade produtiva nesses países e eliminar a dependência deles do programa de ajuda alimentar, o presidente Obama terá de enfrentar forte reação do Congresso.

Ajudar outros povos usando dinheiro do cidadão americano é proibido pela Constituição dos Estados Unidos. A ajuda tem de ser também do interesse do povo americano. Reconhecer o interesse estadunidense nas mudanças das duas políticas, a de subsídios e a de ajuda alimentar, é o primeiro passo para resolver o problema. É de se esperar que o presidente Obama decida fazer a diferença na questão da fome mundial. Isso fará com que outros países, ainda mais protetores de suas agriculturas do que os Estados Unidos, também mudem.