Título: Alta tecnologia reduz dependência dos EUA
Autor: Landim , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 14/03/2008, Brasil, p. A3

Em setembro do ano passado, Mauro Kern Jr, vice-presidente executivo de aviação comercial da Embraer, viajou até a fábrica da empresa em Harbin, na China. A missão do executivo gaúcho, que trabalha há 25 anos na Embraer, era comemorativa. Entregar o milésimo avião vendido pela companhia brasileira do modelo ERJ 145, com 50 lugares. O comprador da aeronave foi a Gran China Express Air.

A entrega desse avião para uma empresa chinesa simboliza uma mudança importante nas exportações brasileiras de aviões e de produtos de alta tecnologia em geral. O Brasil reduziu a dependência em relação ao mercado americano para vender esses produtos e está exportando cada vez mais para países emergentes na Ásia, no Oriente Médio e na América Latina.

Em 2000, os Estados Unidos adquiriram US$ 1,7 bilhão em aviões produzidos no Brasil, correspondente a 56% das exportações do país desse produto. No ano passado, as vendas de aviões para os EUA somaram US$ 1,8 bilhão, mas a participação no total caiu para 38%, conforme dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), elaborados pela Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex).

Os aviões representam cerca de um terço dos produtos de alta tecnologia exportados pelo país. Nessa categoria, a perda relativa de participação dos EUA é significativa. Em 2000, os americanos respondiam por 47% dos aviões, celulares, produtos eletrônicos, farmacêuticos, entre outros, vendidos pelo Brasil. No ano passado, absorveram 30%.

Maior fabricante brasileira de aviões, a Embraer não está preocupada com a perda de espaço de seu principal cliente em suas vendas totais. "Na verdade, isso é ótimo", disse Kern, em entrevista ao Valor. Para o executivo, a redução da dependência em relação aos EUA minimiza o efeito da recessão da economia americana e a provável redução do tráfego aéreo nas vendas da Embraer. "É claro que a crise nos EUA terá impacto. É o nosso principal cliente. Mas será muito menor do que há alguns anos", diz.

Segundo Fernando Ribeiro, economista da Funcex, não é tão simples explicar a perda de participação de produtos de alta tecnologia no mercado americano. Ao contrário de calçados ou móveis, aviões e celulares quase não perdem competitividade com a valorização do real, já que boa parte dos componentes é importada. "Nesses casos, a perda de share dos Estados Unidos está ligada à desaceleração da economia americana e ao aquecimento da demanda interna e de outros países emergentes", afirma.

A exportação de produtos de alta tecnologia representa menos de 30% das exportações brasileiras totais. Apesar da maior demanda dos países emergentes por esses produtos, que compensa a desaceleração nos EUA, esse setor é o lanterninha do crescimento das exportações brasileiras. Entre 2000 e 2007, as vendas de produtos de alta tecnologia cresceram 68%, as exportações de produtos industrializados avançaram 160% e as vendas totais do país 190%. O recente boom de exportações do Brasil foi ditado pelas commodities e por produtos de média tecnologia, como automóveis e máquinas.

Levantamento feito pelo Valor nos informes da Embraer aponta uma mudança importante no perfil de suas vendas por destino nos últimos anos. Estados Unidos e Canadá detinham até recentemente uma posição esmagadora, absorvendo 74% dos jatos comerciais produzidos pela empresa desde o final da década de 90 até 2004. Essa fatia cai para 67% quando contabilizadas as vendas de 2005, 2006 e 2007.

Em 2007, a Embraer vendeu 130 aeronaves para outros destinos, mais do que as 103 para EUA e Canadá. Essa superioridade deve se tornar tendência. No ano passado, 41% dos pedidos em carteira da Embraer vinham da América do Norte e 59% de outros destinos, com destaque para a Ásia. Nos próximos anos, a empresa entregará, por exemplo, 50 aeronaves para a companhia chinesa HNA, 14 para a australiana Virgin Blue e 10 para a japonesa JAL. Também estão entre os novos clientes companhias de países como Líbia, África do Sul, El Salvador e Nigéria.

"Está se tornando evidente que outras economias crescem com mais força que a americana", concorda Kern. "Como o transporte aéreo é incipiente nesses países, a taxa de crescimento no setor é ainda mais forte", completa. De acordo com as previsões da companhia brasileira para os próximos 20 anos, os Estados Unidos vão representar 45% do mercado de aviões entre 30 e 120 assentos. A China deve conquistar uma fatia de 18% das vendas, o restante da Ásia e do Pacífico outros 7%. Já a América Latina deve abocanhar 8%.

A economia dos Estados Unidos deve crescer, em média, 2,7% ao ano entre 2008 e 2027, enquanto o transporte aéreo no país avançará 7%, conforme as estimativas da Embraer. Para a Ásia, a expectativa é de alta de 2,7% da economia por ano e 5,3% dos transporte aéreo. Na América Latina, a economia deve crescer 4% em média, com expansão de 6% no fluxo aéreo.

A estratégia da Embraer de apostar em aviões um pouco maiores também foi determinante para a boa aceitação de seus jatos nos mercados emergentes. Na década de 90, a empresa conquistou o mercado dos EUA com aeronaves de 50 lugares. Atualmente é maior a demanda por jatos de 70 a 120 lugares. Com o aumento do preço do petróleo e do custo do combustível por passageiro, os aviões de 50 lugares se tornaram menos competitivos. "Fizemos isso pensando nos EUA e na Europa, mas a aceitação nos mercados emergentes foi além do que esperávamos", reconhece Kern.