Título: Na contramão do arrocho
Autor: Rizzo, Alana
Fonte: Correio Braziliense, 23/01/2011, Política, p. 2

Enquanto PT e PMDB travam batalha nos bastidores pelo controle da Funasa, entidade ignora o hiato de comando e o discurso de austeridade do governo Dilma e gasta R$ 52,8 milhões em 20 dias

Sem comando definitivo por conta da disputa entre PT e PMDB, a Fundação Nacional da Saúde (Funasa) começou o ano contrariando o discurso de redução de gastos da presidente Dilma Rousseff. Em menos de 20 dias de governo, mais de R$ 52,8 milhões da fundação, vinculada ao Ministério da Saúde, saíram dos cofres públicos para bancar despesas de custeio e projetos, especialmente na área de saneamento em cidades com menos de 50 mil habitantes. O valor equivale a mais de 80% do que foi gasto em janeiro de 2010. Se o ritmo for mantido, a Funasa vai fechar o mês com R$ 79,2 milhões em pagamentos, 23% a mais que no ano passado. Boa parte dos recursos da fundação atende a emendas parlamentares. No Orçamento deste ano, há quase R$ 300 milhões com esse perfil.

O levantamento, feito pela liderança do Democratas a pedido do Correio, mostra que a maior fatia do bolo ¿ R$ 50 milhões ¿ é referente a restos a pagar de 2010. Novos investimentos consumiram R$ 2,2 milhões. De acordo com o relatório, R$ 19,4 milhões foram gastos com ações de proteção e promoção de povos indígenas; R$ 18,2 milhões com serviços urbanos de água e esgoto e R$ 5 milhões com atividades de saneamento rural. A rubrica ¿apoio administrativo¿ consumiu R$ 5 milhões. A Funasa controla um Orçamento de R$ 4,7 bilhões e é responsável por ações em 4.982 municípios com menos de 50 mil habitantes, que representam 90% das cidades brasileiras e 34% da população.

O órgão está sob o comando do PMDB desde 2005. Com a saída de Danilo Fortes, eleito deputado federal pelo Ceará, a pasta está nas mãos de Faustino Barbosa Lins Filho, ex-secretário executivo do órgão. O economista é indicação do líder do partido na Câmara, Henrique Eduardo Alves, que briga pela manutenção do poder. O vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), contudo, já admite que o partido poderá perder a chefia da fundação.

Nos primeiros dias do ano, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, foi obrigado a parar a montagem da equipe por conta da reação dos aliados com a possibilidade de troca no comando da Funasa. Numa tentativa de evitar crises, Padilha afirma que a prioridade é definir metas.

Loteamento Principal consultor da presidente Dilma Rousseff, o empresário Jorge Gerdau foi acionado durante a semana para preparar um diagnóstico sobre a fundação. O plano de trabalho deverá ficar pronto em fevereiro e reunirá medidas para evitar desperdício de dinheiro público e abusos nos gastos. O ex-candidato à Presidência José Serra (PSDB), que durante a campanha atacou a gestão do órgão, voltou a criticar o ¿fisiologismo, a corrupção e a incompetência do órgão¿ na última semana, dessa vez pelo Twitter. Ex-ministro da Saúde, Serra afirma que a fundação foi loteada por indicações políticas no governo do PT.

No último dia do ano, a Funasa liberou valores significativos para municípios e estados, principalmente aqueles comandados ou que passariam a ser comandados por aliados. Em muitos casos, a verba atendia a emendas de parlamentares.

A prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins (PT-CE), que ficou conhecida como ¿papagaio de pirata¿ por aparecer próxima a Dilma no primeiro discurso depois da eleição, garantiu R$ 641 mil para o plano municipal de saneamento básico. O valor é referente à última parcela de um convênio de R$ 3,2 milhões com a Funasa. Outras duas prefeituras cearenses ¿ Graça e Pedra Branca ¿ também receberam, respectivamente, R$ 80 mil e R$ 200 mil para complementar obras de abastecimento de água. As duas cidades são comandadas por prefeitos da base.

Critérios Na Paraíba, onde dois aliados disputaram o governo, foram quase R$ 900 mil para quatro prefeituras. Entre elas, São José de Piranhas, que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou, num dos últimos atos de governo, obras da transposição do Rio São Francisco.

Em nota, a Funasa informou que o volume de recursos é definido pelos critérios de elegibilidade e das exigências técnicas e legais vigentes. ¿Portanto, não seria possível deduzir, a partir da simples verificação das informações, que tenha havido qualquer concentração de repasses a municípios de algum estado em detrimento de outros¿, diz a nota.

A fundação ressalta ainda que transfere os recursos por meio de convênios e termos de compromissos do PAC. ¿Enfatizamos que a atual gestão vem trabalhando com o Ministério da Saúde, inclusive participando de reuniões técnicas semanalmente, objetivando agilizar a execução das metas do PAC e outras prioridades do governo federal.¿