Título: Acordo da CPMF marca primeira concessão fiscal desde a estabilização
Autor: Costa , Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 16/11/2007, Política, p. A5

Na negociação para aprovar a prorrogação da CPMF, o governo Luiz Inácio Lula da Silva rompeu com uma cláusula pétrea das equipes econômicas, desde a estabilização: aceitou reduzir receitas sem imediatamente compensar a suposta perda com o aumento de outro imposto ou contribuição. A explicação é simples: a tolerância da sociedade com a alta carga tributária (34,23% do PIB, segundo os dados oficiais de 2006) chegou ao limite e a proposta - com alíquota de 0,38% - seria recusada pelo Senado.

Nunca antes na curta história da estabilização uma questão tributária causou tanta mobilização do empresariado. O movimento chegou a alcançar setores médios da população e ganhou a adesão de celebridades como Ana Maria Braga, Regina Duarte, Ivete Sangalo e Hebe Camargo. O publicitário Nizan Guanaes assumiu a responsabilidades pelos anúncios do movimento "Cansei". Apesar de ridicularizado por setores à esquerda, o Congresso foi receptivo ao movimento.

A intransigência da equipe econômica quebrou-se quando o governo, ao analisar a relação custo-benefício percebeu que perderia menos cedendo em uma negociação do que derrotado no Senado. Para "os mercados", entidade que anda meio desaparecida nos últimos tempos, é compreensível o governo fazer algumas concessões para aprovar um projeto, mas seria "bombástico" se, de uma hora para a outra, ele ficasse sem R$ 40 bilhões para o próximo ano.

Na prática, o governo reconhece que perderá algo em torno de R$ 20 bilhões, nos próximos quatro anos, do total que poderia arrecadar, cerca de R$ 160 bilhões numa projeção simples da arrecadação de R$ 40 bilhões prevista para 2008. Quantia que pode ser facilmente compensada com a manutenção do crescimento econômico e o conseqüente aumento da arrecadação de impostos, como admite o próprio ministro Guido Mantega.

Essa é outra novidade na atual negociação: a equipe econômica, pelo menos até agora, não ameaçou compensar a perda de receita com o aumento de outro imposto ou contribuição. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em fim de mandato, também se viu forçado a negociar com o Congresso o que passou dois mandatos dizendo que era inegociável: a correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF).

No fim de 2001, havia seis anos que a tabela não era corrigida, num congelamento que aumentou a base de arrecadação do imposto: com a inflação acumulada, mesmo os que estavam isentos e não tiveram ganhos salariais, passaram a ser taxados. O Congresso ameaçava aprovar uma correção de 35%. FHC e a equipe econômica, farejando a derrota, concordaram com 17,5% e o projeto foi aprovado.

FHC, no entanto, vetou a lei dos congressistas, sob a alegação de que o texto aprovado poderia provocar erros de interpretação. Em seguida baixou um decreto no qual manteve a correção de 17%, mas aumentou a alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) do setor de serviços para compensar o Tesouro do que a Receita deixaria de arrecadar.

O terrorismo sócio-econômico é uma característica comum das duas equipes. Pedro Malan (ministro da Fazenda) e Everardo Maciel (secretário da Receita Federal) diziam, no governo FHC, que a correção da tabela do IRPF produziria "um rombo" nas contas que levaria o governo a cortar investimentos nas áreas da Educação, Saúde e Segurança. Agora, Lula, Guido e companhia diziam até que qualquer mudança na CPMF significaria cortar dinheiro para o Bolsa Família. A tabela passou a ser corrigida no governo Lula e o mundo não acabou.

"O recuo do governo é uma demonstração de que o nível de tolerância da sociedade com o a carga tributária está chegando ao fim", diz o analista Cristiano Noronha, da consultoria Arko Advice. "De todas as prorrogações anteriores da CPMF, nunca o setor empresarial se mobilizou tanto". Noronha acha que a nova proposta do governo passa, mas o Planalto precisará atender pré-requisitos como o de enviar o prometido projeto de reforma tributária ao Congresso.