Título: Escolas européias mudam de tática para bater os EUA, China e Índia
Autor: Campos , Stela
Fonte: Valor Econômico, 08/10/2007, EU & carreira, p. D6

Apenas em solo chinês, surgiram mais de 50 centros de ensino de administração nos últimos anos, afirma Santiago Iñiguez, reitor do IE, em sua passagem pelo Brasil. Em 2010, as universidades européias esperam ter 2,5 milhões de alunos em seus bancos escolares. Só no mestrado em administração a expectativa é que se chegue a 500 mil estudantes. Um número cinco vezes maior do que o registrado hoje nos populares cursos de MBA dos EUA. Tudo isso acontecerá na implementação do tratado de Bologna, assinado em 1999 por 29 países do velho continente, que prevê a unificação do sistema de ensino superior na Europa. O que significa o lançamento de cursos mais curtos de graduação e pós-graduação e a utilização de currículos similares que permitam o livre trânsito dos alunos para a validação de créditos entre os países.

Esse esforço para o fortalecimento do ensino europeu tem o objetivo de enfrentar não apenas a notória concorrência americana, mas também os novos competidores que estão surgindo na China, Índia e Cingapura, considerados novos pólos de atração de alunos. "Apenas na China surgiram mais de 50 centros de ensino de administração nos últimos anos", diz Santiago Iñiguez, reitor do Instituto de Empresa, escola de negócios espanhola que figura nas primeiras posições nos principais rankings de MBA do mundo ("Financial Times", "The Economist" e "Wall Street Journal") e que prepara-se para atuar também no ensino superior.

Em rápida passagem pelo Brasil semana passada para participar de um encontro de diretores de escolas de negócios da América Latina, promovido pela Association of MBA (AMBA), Iñiguez concedeu uma entrevista exclusiva ao Valor. Nela, falou sobre a briga por espaço, alunos e professores entre as escolas de negócios globais. Também anunciou os planos do IE para o Brasil. O instituto foi fundado há 30 anos, tem escritórios de representação em 12 países e hoje contabiliza 30 mil ex-alunos, de 85 nacionalidades. A seguir alguns trechos da entrevista:

Valor: Como anda o mercado de MBA hoje?

Santiago Iñiguez: O mercado anda bem este ano. Mas uma nova modalidade de curso que tem crescido muito na Europa é o de especialização em administração, que aborda um tema específico e tem um ano de duração. Ele é dirigido a um público mais jovem, sem experiência no mercado. O processo de Bologna vem incentivado isso. As escolas estão se antecipando a 2010. Teremos um grande movimento entre fronteiras. Nosso mercado chegará a 2,5 milhões de alunos na graduação, 500 mil em cursos de especialização, sendo 50 mil nos cursos de MBA. Isso é cinco vezes mais do que os EUA tem hoje nas escolas de negócios. Acredito que a Europa pode surpreender, como os vinhos californianos que hoje podem custar até mais que os franceses.

Valor: O crescimento das escolas de administração chinesas e indianas já preocupa as européias?

Iñiguez: A competição aumentou sim. Acredito que a China, Índia e Cingapura são três pólos de grande atração hoje para alunos de todo o mundo. Apenas a China criou mais de 50 escolas de administração nos últimos anos. O ensino na Austrália também cresceu muito. Lá as universidades oferecem formação on-line e possuem campi no Sudeste asiático. O centro de gravidade do ensino hoje está para esse lado.

Valor: Esse crescimento de ofertas de cursos na China pode tirar alunos chineses das escolas americanas e européias?

Iñiguez: Na minha opinião, afetará as escolas de negócios americanas, onde eles hoje representam boa parte dos estudantes estrangeiros. Mas não acho que seja uma ameaça às escolas de primeira linha, mas para as de segunda e terceira linhas. Essas vão ter mais problemas.

Valor: Como o IE está reagindo a essas transformações do mercado?

Iñiguez: Há quatro meses adquirimos uma universidade, a SEK. Nosso plano, é montar no ano que vem uma universidade com a nossa marca IE. Vamos oferecer cursos de graduação em outras áreas como arquitetura e jornalismo. Em cinco anos, incluiremos outras modalidades, como direito, por exemplo. Queremos fazer algo novo. No ensino de jornalismo, vamos procurar alunos que entendam de tecnologia, que tenham criado blogs e tenham espírito empreendedor. O campus funcionará em um antigo convento do século 13, em Segóvia, a 90 km de Madrid.

Valor: É uma mudança de foco?

Iñiguez: O IE é uma instituição independente, com 30 anos de atividade e que surgiu pela iniciativa de empresários espanhóis. Ao contrário da maioria das escola de negócios, não fomos criados como um braço de uma universidade. Mas com essa reorganização do ensino na Europa, é interessante para nós entrarmos na graduação sob esta nova perspectiva de ensino.

Valor: Esse aquecimento do mercado de MBA está provocando uma disputa também por professores?

Iñiguez: Sim, é um fato. Hoje os professores são os recursos mais escassos das escolas de negócios. O perfil que buscamos no IE é um pouco diferente. Não buscamos o "guru" que pesquisa e escreve teses para outros sábios. Nós queremos o "canguru", que pode saltar do mundo acadêmico à docência. Ele tem que ser um bom interlocutor dos executivos, um consultor. Esse é um perfil bem escasso. Na nossa escola treinamos nossos professores para serem bons comunicadores, promovemos até cursos com jornalistas para que eles aprendam como difundir seu conhecimento. Hoje temos 110 professores tempo integral e 250 associados.

Valor: Existe uma discussão sobre a produção acadêmica dos professores. Na sua opinião, como esse trabalho deve ser direcionado?

Iñiguez: Há três anos se discute isso nos EUA. Eu acredito que as escolas de economia devem produzir pesquisas de conteúdo mais acadêmico. Já as escolas de negócios devem dar respostas ao público com suas pesquisas, com assuntos que podem ser aplicados imediatamente. Não dá para se dar ao luxo de investigar algo que só será aplicado em 10 ou 20 anos.

Valor: Quais são os planos do IE para o Brasil?

Iñiguez: O Brasil tem o maior número de centros de educação da América Latina, com o maior número de instituições e alunos. Portanto, é interessante para nós. Hoje temos programas de formação em parceria com a Fundação Getulio Vargas para formação de executivos, intercâmbio de alunos e oferecemos dupla certificação aos PhDs. No ano que vem vamos lançar nosso próprio programa, o Senior Management Program (SMP). Ele é misto, uma parte online e outra presencial, com um mês de duração. Será direcionado para a alta direção. Temos uma boa relação com outras escolas como a Fundação Dom Cabral e o Instituto Coppead, com as quais também fazemos intercâmbio de alunos e professores. Queremos ir com calma para ingressar no mercado brasileiro, porque ele é muito competitivo. Como na China, é mais fácil começar com parceiros locais antes de se aventurar. Algumas escolas americanas se deram mal no Brasil porque não fizeram isso.