Título: Cassar sem comprovação levaria outros senadores ao mesmo caminho
Autor: Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 14/09/2007, Política, p. A8

Roberto Jayme/Valor - 18/10/2000 Dornelles: "Como diz o Sarney, os senadores já chegaram ao plenário definidos" Francisco Dornelles (PP-RJ), único senador de sua legenda, aliado do governador Sérgio Cabral (PMDB-RJ) e integrante da coalizão governista, teve um papel fundamental na absolvição do senador Renan Calheiros (PMDB-AL). Em discurso no plenário, ele reduziu os oito pontos de quebra de decoro apontados no relatório do Conselho de Ética (que teve uma aprovação acachapante de 11 votos a 4) a uma única acusação, segundo ele não apurada pelo Fisco, de crime tributário.

Para Dornelles, é a Receita, e não o Congresso, o foro para investigar se alguém cometeu ou não crime contra a ordem tributária. Sobre a relação de seu partido com o governo, afirma que "terceirizou" para o líder da Câmara, Mário Negromonte (PP-BA), a tarefa de indicar os apadrinhados da legenda. A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Valor.

Valor: O Conselho de Ética não apontou as razões (oito) para cassar o mandato do senador Renan Calheiros?

Francisco Dornelles: A acusação consistiu na premissa de que os recursos que ele entregava à Mônica Veloso eram fornecidos por uma empresa, por intermédio de seus empregados. A empresa declarou que não oferecia nenhum recurso a Renan. O empregado, amigo comum do Renan e da mulher, afirmou que os recursos não eram da empresa. O Renan declarou que os recursos eram dele. E a Mônica em nenhum momento disse que os recursos eram da empreiteira.

Valor: Faltaram evidências de quebra de decoro?

Dornelles: O próprio Conselho reconheceu não haver provas de que os recursos vieram da empresa.

Valor: Mesmo assim, aprovou um relatório pedindo a cassação por 11 votos a 4 e apontando vários crimes, entre eles o de ter mentido ao Senado.

Dornelles: O que disse o Conselho? Que o senador não tinha patrimônio nem renda suficientes para justificar a origem dos recursos que ele fornecia à Mônica Veloso. Resumindo: o Conselho entendeu que Renan cometeu crime contra a ordem tributária.

Valor: E não cometeu?

Dornelles: Crime contra a ordem tributária só pode ser tipificado no âmbito de um processo administrativo fiscal, conduzido pela Receita . Com base nessa legislação, o contribuinte é intimado para prestar esclarecimentos. Se estes forem insatisfatórios, a Receita lavra um auto de infração. O contribuinte pode recorrer, em primeira instância. Mantido o auto, pode recorrer ao Conselho de Contribuintes. Pode até ir para o Conselho Superior. Só após a decisão desfavorável de última instância, você pode caracterizar crime contra a ordem tributária.

Valor: E os demais delitos apontados pelo Conselho? Não justificariam?

Dornelles: Como ficaria o Senado se amanhã ele fosse cassado e a Receita chegasse à conclusão que ele não cometeu o crime? O Senado tornaria sem efeito a cassação?

Valor: E o caráter político dos julgamentos no Congresso?

Dornelles: Discordo que você possa fazer qualquer julgamento sem obedecer à ordem jurídica. Os deputados e senadores são eleitos para montar a ordem jurídica. A ordem jurídica, então, é a soberania popular. O que é um julgamento político? Cada um aqui tem seu posicionamento. Mas se tiver de fato a conotação política, não pode ir contra a ordem jurídica.

Valor: Seu argumento foi decisivo para salvar Renan?

Dornelles: Eu não gosto, nem participo de CPIs. Eu sou contra foro privilegiado, voto secreto, parlamentar julgar parlamentar. Defendo que, quando houver denúncia contra parlamentar, ela deve ser encaminhada ao Ministério Público e este, iniciar o processo para encaminhar à Justiça. Na noite anterior ao julgamento do Renan, fiz uma reunião com ex-técnicos, já aposentados, dos meus tempos de Receita e verificamos que a única acusação que havia era contra a ordem tributária. Mas vou te responder com a posição do presidente Sarney. Houve um determinado momento em que ouvi um pronunciamento muito bonito feito pelo senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE). Eu perguntei ao Sarney: quantos vai influenciar? Ele respondeu: Ninguém. Cada senador chega aqui sabendo como vai votar.

Valor: Mas essa sua argumentação, que deixa a ameaça da Receita no ar, pode sensibilizar, não pode?

Dornelles: Se amanhã, você entender que pode cassar senador com base em denúncia não comprovada de crime contra ordem tributária, outros senadores poderiam ir pelo mesmo caminho.

Valor: A questão tributária é um telhado de vidro dos parlamentares? Alguém pode ter votado pró Renan por medo?

Dornelles: Não acredito nisso, acho que não chegou a esse ponto.

Valor: Como fica a Casa agora?

Dornelles: Tem que deixar uns dias de calma. Renan foi acusado, pediram a cassação e ele não foi cassado. Não vejo sentido parar a Casa porque a maioria não cassou. Vai parar por que? Por que a maioria não concordou com a minoria? Temos que colocar as coisas no devido lugar. Cabe à polícia investigar. Com base na investigação, o MP representa ou arquiva. Cabe ao Judiciário julgar e ao Congresso, legislar. Estamos marchando para a seguinte situação: a Polícia quer tomar o lugar do Ministério Público e, este, o lugar do Judiciário. O Judiciário quer legislar e o Congresso, virar delegacia de polícia.

Valor: A votação da CPMF pode ser prejudicada?

Dornelles: Obstruir a votação é democrático. Obstruir porque não quer votar CPMF, não quer votar o orçamento, a lei de licitação, dos precatórios. Mas não pode dizer que está obstruindo porque a maioria não quis cassar Renan. Isso não faz sentido. A oposição deveria, isso sim, exigir que alguns vetos, como a emenda 3, fossem colocados em votação. A oposição deveria fazer uma pauta dos assuntos que ela quer votar e eu incluo esses vetos dentre eles.

Valor: O senhor está sendo considerado como o mais decisivo governista da absolvição, é presidente do PP, partido que na Câmara tem votado com o governo, mas tem cobrado cargos do Executivo. Como o senhor lida com isso?

Dornelles: A bancada tem 42 deputados e um senador. Falei com o Mário Negromonte (PP-BA, líder do partido na Câmara) que toda a ocupação de cargos ficará por conta dele. Ele vai conduzir isso e eu vou apoiá-lo. Não vou fazer indicações, eu não tenho nomes. Mas vou apoiar todos os da bancada.

Valor: O senhor recebeu um agradecimento especial do governador Sérgio Cabral depois da votação do caso Renan?

Dornelles: O Sérgio Cabral é do PMDB e tinha muito interesse na não-cassação do Renan. E falou comigo antes da votação. Eu falei que ia examinar o assunto. Examinei e depois falei com ele.