Título: Uma fonte de recursos para a infra-estrutura do país
Autor: M. F. Thompson Motta
Fonte: Valor Econômico, 26/01/2005, Opinião, p. A10

A principal característica da economia brasileira na década de 90 foi a substituição do Estado empresário, no contexto geral, para o Estado regulador. O governo não tinha mais condições de investir nos setores básicos, e muito menos de manter os ativos existentes, aumentando o caos fiscal e inflacionário do país, deixando, assim, de cumprir os deveres básicos do Estado no que diz respeito ao fornecimento de serviços públicos de qualidade. Com esse quadro, restou ao governo iniciar um vigoroso programa de privatização, com a venda dos ativos das estatais e das concessões de fornecimento de alguns serviços públicos. Além disso, foram criadas agências reguladoras nos setores de energia elétrica, telecomunicações, petróleo, água, transportes ferroviários e terrestres, saúde suplementar, vigilância sanitária e cinema. O programa de privatização foi um dos maiores do mundo, gerando receitas acima de US$ 100 bilhões. Entretanto, o esforço do Brasil na década de 90 ainda encontra-se longe de equacionar as necessidades do equilíbrio fiscal de longo prazo, e de melhoria dos serviços públicos e dos investimentos em infra-estrutura, principalmente com a provável retomada do desenvolvimento econômico. O atraso necessário do ajuste fiscal deixou como legado uma pesada dívida pública, de dimensões muito maiores do que o país poderia absorver. O pagamento das obrigações financeiras decorrentes, atingiram, em 2004, o montante de R$ 145 bilhões, e os investimentos públicos caíram para 0,5% do PIB. Nesse contexto, após um ano de tramitação no Congresso, foi aprovado no fim do ano passado o projeto das parcerias público-privadas (PPPs), uma forma de atrair o setor privado para os investimentos dos serviços públicos. O conceito de PPP não é novo, já tendo sido usado no Brasil e em outros países no século XIX, principalmente para financiar ferrovias. Reintroduzida na Grã-Bretanha na década de 90, a experiência das PPPs, disseminou-se e hoje está presente em mais de 20 países. No Brasil, o foco das PPPs será inicialmente o de eliminar gargalos da infra-estrutura. O próprio governo já deixou claro que ferrovias, rodovias e portos são prioritárias no uso do novo instrumento. Segundo o senador Tourinho, somente em projetos de energia seriam necessários R$ 20 bilhões por ano, e a capacidade de investimento do sistema Eletrobrás é da ordem de apenas R$ 9 bilhões. Outra fonte que poderia trazer indiscutíveis benefícios, para a economia brasileira, seria o retorno de capitais pertencentes a residentes no país, no montante de dezenas de milhões de dólares, que certamente não têm a volatilidade de muitos investimentos que por aqui aportam atrás de lucros instantâneos, sobretudo quando seduzidos pelas elevadíssimas taxas de juros brasileiras. É importante notar que boa parte do dinheiro repatriado irá reforçar o ativo circulante de empresas industriais ou comerciais que, ao longo do tempo, mantiveram recursos no exterior. Bem direcionados, conjuntamente com as PPPs esses recursos poderão acelerar o desenvolvimento econômico. Por outro lado, o governo não perderá a oportunidade de intervir, através do Banco Central, na compra de uma fatia expressiva dos dólares repatriados, para se posicionar mais confortavelmente nas futuras captações de recursos no mercado internacional, pagando juros menores.

Já existe um retorno espontâneo do dinheiro, mas é claro que a anistia fiscal deve acelerar bastante esse processo

Após o 11 de setembro, ninguém mais se sente seguro com o dinheiro guardado no exterior, ainda que tais recursos sejam havidos com o trabalho honesto e legalmente posicionados fora do país. Na verdade, a simples manutenção de depósitos no exterior, declarados à autoridade competente (Receita Federal e Banco Central) não é crime (parágrafo único da lei 7.492/86). Nesse momento de incertezas e temores quanto as contas movimentadas fora do país, já existe antecipado e espontâneo retorno do dinheiro. Mas é claro que a anistia fiscal deve acelerar enormemente esse processo. Resta saber quais são, ou deveriam ser, os seus limites e, nessa mesma linha, responder a algumas infundadas objeções já manifestadas por opositores da idéia. Os recursos deveriam ser direcionados para projetos de interesse para o desenvolvimento econômico e, nesse caso, seriam isentos de qualquer tipo de tributo. Hoje, os recursos quando legalmente encaminhados para o exterior são isentos, porém quando retornam são sujeitos a pesados tributos. A maioria dos países taxa somente na saída dos capitais para o exterior. O repatriamento poderia trazer grandes investimentos para o país, pois calcula-se que apenas 10% desse capital depositado no exterior equivaleria a investimentos de mais de US$ 10 bilhões, ou seja, cerca de R$ 30 bilhões. Por outro lado, o governo tem impedido que as empresas estatais reinvistam seus lucros, uma vez que esses são obrigatoriamente direcionados para o superávit primário. As empresas elétricas estão com seus equipamentos amortizados e depreciados (em maioria hidrelétricas) e, consequentemente, os lucros são apreciáveis. No ano de 2004, o montante de lucros das maiores estatais alcançou cerca de R$ 12 bilhões. Dessa forma, os lucros das empresas estatais, os investimentos em PPPs e o repatriamento direcionado de recursos do residente no país poderiam criar as condições necessárias para a plena reestruturação do setor de infra-estrutura do país. O Executivo teria que aprovar no Congresso o repatriamento de capitais dirigido para investimento vinculado ao desenvolvimento econômico, com isenção tributária e revogar a medida que direciona os lucros das empresas de energia para o superávit primário, permitindo assim o reinvestimento dos lucros em projetos de expansão ou melhoria do setor elétrico.