Título: Ajustes na engrenagem política
Autor: Iunes, Ivan
Fonte: Correio Braziliense, 31/12/2010, Política, p. 6

Luiz Inácio Lula da Silva assumiu para o dia seguinte à despedida do Palácio do Planalto uma missão que, em oito anos de governo, não foi capaz de tocar: iniciar movimento para uma ampla reforma política no país. Desde que o atual presidente subiu a rampa, em 2003, todas as modificações no sistema político-eleitoral vieram do Judiciário ou por iniciativas populares. Ainda assim, as leis de Fidelidade Partidária e da Ficha Limpa são o único legado positivo em se tratando do tema.

Assim que Lula assumiu a Presidência, o sistema político brasileiro havia incorporado há pouco a reeleição e a verticalização, e se preparava para implementar a cláusula de barreira. A lei que restringia o acesso ao Fundo Partidário e o tempo na TV aos partidos que obtivessem menos de 5% dos votos entraria em vigor em 2007, mas acabou abortada em 2006. No mesmo ano, o Congresso sepultou a verticalização, regra adotada em 2002 que obrigava as coligação estaduais a repetirem a formação de alianças adotadas na campanha presidencial. Assim, no primeiro mandato de Lula, o pouco que existia de mudanças no sistema eleitoral foi pelo ralo.

O foco da modificação do sistema político acabou sendo alterado para o financiamento eleitoral, especialmente por conta do escândalo do Mensalão, que, em 2005, trouxe denúncias de caixa dois nas campanhas e de compra de votos de parlamentares. Tido como solução para a generalização da prática, o financiamento público de campanha sequer chegou a ser votado no Congresso. ¿O sistema político é avesso a reformas, em geral. Você tem de constituir uma maioria muito onerosa, com alto custo para a máquina. Discute-se ainda hoje o financiamento público de campanha, mas sabemos que não há fiscalização que garanta essa origem única de recursos durante as eleições¿, diz o cientista político do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) Carlos Mello.

A primeira inovação na área foi a regulamentação da Fidelidade Partidária pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2007. Depois, com a força de 2 milhões de assinaturas a Lei da Ficha Limpa chegou ao Congresso no fim do ano passado. Inicialmente, punia com a inelegibilidade todo político condenado ou com denúncias de crimes graves sendo investigadas, mas acabou abrandada pelos parlamentares. ¿Os políticos quando querem fazer reformas têm o intuito de constituir salvaguardas, se proteger da sociedade, e não o inverso. O nosso Congresso cobra um preço altíssimo para implementar a agenda de governo e da sociedade, mas há uma pressão muito grande para que o processo seja alterado¿, aposta Mello.

NOVAS E ESPERADAS REGRAS

Feito » Lei da Ficha Limpa: criada em maio deste ano a partir de um projeto de iniciativa popular, a legislação pune com a inelegibilidade os políticos condenados por órgão colegiado, desde que não consigam liminar em tribunal superior contra a condenação.

» Fidelidade partidária: estabelecida por decisão judicial em 2006, vincula o mandato ao partido e não mais ao político eleito. Com a mudança, em caso de desfiliação da legenda, o parlamentar também deve entregar o posto no parlamento.

A fazer » Financiamento público: é visto por muitos políticos como um meio de baratear as eleições e diminuir a incidência do caixa dois durante as campanhas.

» Voto em lista: pela regra, o eleitor votaria no partido ou na coligação de sua preferência, mas os nomes dos eleitos seriam definidos pela sigla.

» Voto distrital: substituiria a atual divisão por estados dos mandatos na Câmara dos Deputados por uma baseada na formação de distritos.

A intenção é aumentar a representatividade de regiões menos populosas.