Título: Aché reduz poder de executivos
Autor: Vieira, André
Fonte: Valor Econômico, 27/11/2006, Empresas, p. B1

Dez dias atrás, a elite da indústria farmacêutica acorreu à Sala São Paulo, uma antiga estação de trem transformada em um local de concertos de música no centro da capital paulista. A festa era para comemorar os 40 anos do Aché, o maior laboratório farmacêutico nacional.

Embalado pelo violinista Toquinho e ciceroneado pela atriz Fernanda Montenegro, o odeão, que comportava mais de 500 convidados, fez uma homenagem aos fundadores da empresa. Presente no evento, Eloi Bosio, diretor-presidente do Aché, passou em branco na solenidade. Muita gente ali notou a falta de referência. Cinco dias depois, Bosio pediu seu desligamento da farmacêutica.

A saída do executivo foi interpretada por pessoas ouvidas pelo Valor como um passo atrás dado no processo de profissionalização do Aché. No dia seguinte à saída do executivo, o conselho de administração, formado pelas famílias controladoras Siaulys, Baptista e Depieri, tomou a decisão de extinguir o cargo de diretor-presidente. Em seu lugar, criou a função de diretor-geral de operações, indicando ao posto o atual executivo de estratégia e desenvolvimento do laboratório, José Ricardo Mendes da Silva, também responsável pelas finanças da companhia. Mendes da Silva irá reportar diretamente ao conselho.

"Bosio foi alvejado no meio do caminho", disse uma pessoa familiarizada com os bastidores da saída do executivo. "A dúvida é saber como o Aché irá proceder daqui para a frente." Bosio, que havia sido eleito, no segmento farmacêutico, como "Executivo de Valor" neste ano, prêmio concedido por este jornal, dissera, em meados deste ano, que uma das suas missões era preparar a empresa para a abertura de capital.

Meses atrás, Bosio já tinha perdido parte das suas atribuições como presidente executivo. Ele deixou de gerenciar os negócios de genéricos e medicamentos isentos de prescrição (OTC), ficando responsável pela área de medicamentos vendidos com receita médica. O "rebaixamento" da sua função o teria incomodado.

Depois de 30 anos de carreira em multinacionais farmacêuticas como Upjohn e Pharmacia, o executivo chegou em 2003 num momento em que o Aché havia passado uma fase complicada. Os sócios saiam de uma briga interna e a receita despencava com o fim da licença de acordos com multinacionais num mercado que encolhia. Sua tarefa era mudar a face do Aché: um laboratório com uma grande força de vendas - mil representantes - baseado num portfólio de remédios similares.

Com personalidade contida, soando até timidez, Bosio esteve à frente da compra da Biosintética, em outubro de 2005, por mais de R$ 500 milhões, a maior aquisição já realizada no setor brasileiro. No entanto, a integração da operação - considerada complementar aos negócios do Aché - não surtiu o efeito desejado.

"Eles perderam uma oportunidade de ouro desestruturando a Biosintética, que era um ativo valioso", disse um especialista do setor. Por meio da Biosintética, o Aché entrou no segmento que mais cresce: o de genéricos. Mas, apesar de manter a liderança entre os laboratórios nacionais, o Aché perdeu quase 40% de sua fatia neste mercado, baixando de 12% para 8% em um ano.

Executivos já tinham dito que a tarefa do Aché não era entrar na briga de preços e descontos dos genéricos - travada entre Medley e EMS, líderes do mercado -, mas sim complementar o portfólio oferecido às redes de farmácias.

Outra perda importante foi com as licenças de drogas não renovadas que geravam gordos lucros na época em que estavam nas mãos da Biosintética. É o caso das parcerias estratégicas com os genéricos da Teva, e os remédios de segunda marca, como a estatina Crestor e o antipsicótico Seroquel, da AstraZeneca, e o Exelon para tratamento de Alzheimer, da Novartis. "Por não ter tentado negociar a renovação das licenças, a Aché deixou de ganhar cerca de R$ 100 milhões em receita", estima fonte do setor. Em 2005, a receita bruta consolidada do laboratório foi de R$ 1,6 bilhão.

"No fundo, Eloi Bosio acabará sendo o culpado por seguir o livro de boa administração", interpreta um atento observador do setor. "O ideal para o Aché seria um líder carismático e capaz de envolver a empresa em grandes projetos. A dificuldade é que os sócios não dão espaço para esse tipo de liderança", afirmou.