Título: Absurdo não é só o salário de deputados...
Autor: Cafardo, Pedro
Fonte: Valor Econômico, 18/12/2006, Política, p. A8

O Brasil é um país esquisito, para dizer o mínimo. O presidente da República, eleito com 58,3 milhões de votos, que comanda o país, ganha R$ 8,6 mil reais por mês de salário. O ministro da Fazenda, que tem sobre os ombros a responsabilidade da economia, recebe o mesmo. Mas um deputado Federal eleito com apenas 8 mil votos, por exemplo, para ocupar uma das 513 cadeiras da Câmara, ganhará R$ 24,5 mil a partir de 1º de fevereiro, fora benefícios.

O presidente ganha pouco ou os deputados ganham muito?

Esse tipo de discussão dominou acaloradas conversas de bar no fim de semana, depois que a Câmara e o Senado decidiram equiparar os salários de deputados e senadores aos dos ministros do Supremo Tribunal Federal, o que vai significar um aumento de mais de 90% nos vencimentos dos parlamentares.

É vã essa discussão. É impossível dizer quanto vale o trabalho de um presidente da República, deputado ou senador. Não há um mercado de trabalho para essas categorias de profissionais, que não podem ser recrutados por headhunters. Mas, até as esculturas da Praça dos Três Poderes sabem que o trabalho do presidente vale mais que o de deputados e senadores, o que não significa menosprezo ao Legislativo - apenas respeito à tradição presidencialista brasileira.

De qualquer forma, pode-se ter uma idéia do valor real dessas remunerações comparando-as com a dos principais executivos brasileiros [ver tabela abaixo]. Os presidentes das maiores empresas que operam no Brasil, aquelas que pagam melhor seus funcionários, ganham em média R$ 101 mil por mês, segundo pesquisa do Hay Group. Esse valor refere-se ao salário-base e não inclui a remuneração variável recebida por esses executivos a título de benefícios e incentivos, que pode até dobrar seu ganho anual. A remuneração total dos presidentes de empresas é de R$ 177 mil por mês. Essa é a média, o que significa que muitos ganham mais.

Deveria o presidente da República ganhar mais que o presidente da Vale do Rio Doce, da Volkswagen ou de outra multinacional? Talvez. Mas, como já foi dito, não existe mercado para a categoria de presidente da República, nem é muito apropriado comparar o salário de Lula com os de outros chefes de Estado. Pode-se dizer, apenas, que o presidente ganha quase 30% menos que o executivo de mais baixa patente nas grandes empresas brasileiras, que é o gerente de tesouraria, cujo salário médio é R$ 12 mil mensais.

Os próprios deputados, antes do aumento autoconcedido, rivalizavam com esses gerentes em matéria de remuneração básica. Depois do reajuste, estarão na faixa salarial de um diretor de informática das grandes empresas.

O absurdo dessa história, portanto, não é propriamente o valor dos salários de deputados e senadores. O absurdo é que eles sejam encarregados de fixar os próprios vencimentos, por meio dos integrantes das Mesas Diretoras, ou seja, das lideranças. É como se os funcionários de uma grande empresa, como Vale ou a Volks, pudessem decidir, por meio de seus líderes, quanto vão ganhar e, mais do que isso, como serão indexados seus reajustes no futuro.

É interessante observar como alguns parlamentares, que berraram para as câmeras em nome da ética nas últimas CPIs, tentam agora justificar o ato de legislar em causa própria. A partir de agora, dizem, não haverá mais isso, porque os reajustes acompanharão o aumento do teto salarial do funcionalismo, fixado pelo Supremo Tribunal Federal. Não é bem assim, porque esse teto, uma vez modificado pelo STF, passa pelo Congresso para ser aprovado.

Também é uma "cascata" bem manjada no meio corporativo a desculpa de que serão reduzidos "outros gastos" para compensar o aumento da folha salarial. Sempre que a direção de uma grande empresa pede cortes na folha de pagamento, a corporação se mobiliza e oferece opções variadas para poupar cabeças. "Cortaremos viagens, táxis, gastos com papel e luz, cafezinho etc". Mas, qualquer um que já viveu crises financeiras em grandes empresas sabe que esses cortes não dão resultado, ou porque não se efetivam na prática ou porque as despesas são pouco significativas e voltam a crescer nos exercícios seguintes.

O presidente da Câmara, Aldo Rebelo, diz em sua defesa, que a Casa tem margem para arcar com o reajuste de 92%, porque realizou uma contenção de gastos de R$ 130 milhões no Orçamento de 2006. Aplausos para a Câmara, mas esse valor deveria ser usado para reduzir o déficit nominal do governo e não embolsado pelos parlamentares.

Pedro Cafardo é editor-executivo do "Valor"