Título: Após 5 anos, Proinfa só atinge 26% da meta
Autor: Chiaretti, Daniela
Fonte: Valor Econômico, 24/05/2007, Especial, p. A16

Lançado como um dos mais ambiciosos programas mundiais de apoio às fontes alternativas de energia, o Proinfa caminha a passos lentos. Cinco anos depois da lei que definiu a meta de 3,3 mil MW de geração de energia através de fontes eólicas, de pequenas centrais hidrelétricas e de biomassa, a capacidade instalada do programa é de apenas 860,6 MW. Isso significa 26,1% de um total equivalente ao que pode gerar a polêmica usina de Jirau, no rio Madeira. E, aqui, os atrasos não tiveram origem no licenciamento ambiental.

O Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica, o Proinfa, foi criado em abril de 2002, no governo Fernando Henrique Cardoso. O governo Luiz Inácio Lula da Silva adotou a proposta e a reformulou. Ajustou a idéia inicial definindo limites máximos de contratação por Estados, buscando regionalizar os projetos que, até aquele momento, sugeriam grande concentração. O esboço da demanda indicava que o Ceará ficaria com 95% das eólicas, Minas Gerais, com a maioria das PCHs e a biomassa, toda agrupada em São Paulo.

Só que, para ajustar, correram dois anos. "O processo demorou, porque tivemos que aperfeiçoar a lei e as regras", diz Laura Porto, diretora do departamento de desenvolvimento energético do Ministério das Minas e Energia e coordenadora do Proinfa. "O programa tinha nascido dentro do espírito do racionamento. Ele precisava ser revisto e passar por um amadurecimento", prossegue ela, garantindo que, agora, o Proinfa deslancha. Já existem, diz, quase mil MW em construção neste momento, e outros 600 MW engatilhados. "Não é conversa, é realidade", arremata. Um pré-requisito dos projetos selecionados é o de já possuir licença de instalação.

O Proinfa, que pode significar R$ 9 bilhões de investimentos privados em projetos de geração de energia limpa - hoje completamente em sintonia com a recomendação de combater o aquecimento global feita pelo painel científico das Nações Unidas - recebeu embalagem atraente. Conta com a garantia de compra da energia pela estatal Eletrobrás, e financiamento de vários agentes, sendo o principal o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em até 80% do investimento total nas usinas. O volume de energia prometido pelo programa praticamente corresponde à necessidade anual de expansão do sistema, e tiraria o país do risco de apagão. Inicialmente, os empreendimentos deveriam gerar 1.100 MW por cada uma das fontes do tripé - eólica, pequenas centrais hidrelétricas e biomassa. Depois, a meta foi revista e o tripé reajustado, já que a demanda por projetos de biomassa não deve chegar a preencher os 1.100 MW iniciais.

O outro atrativo é a garantia de compra, pela Eletrobrás, da energia por preços acima dos praticados hoje pela geração hidrelétrica, já que a produção por fontes alternativas é efetivamente mais cara. Para biomassa, por exemplo, os valores acertados foram de R$ 110 por MW/hora (bagaço de cana), nas PCHs, R$ 135 por MW/hora e, nas eólicas, o preço varia entre R$ 208 e R$ 240. No último leilão, o preço da energia hidrelétrica ficou em R$ 128 por MW/hora.

Mas o ponto é que, até agora, os avanços foram tímidos no Proinfa. Segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica, a Aneel, a capacidade atual instalada de projetos de biomassa do programa é de 465 MW - o pé que, até agora, mais avançou. Os empreendimentos de energia eólica estão em segundo lugar, com 208,3 MW; as PCHs são as "lanterninhas", com 186,4 MW.

Este mix deve se alterar em breve. "Toda semana recebemos visitas de investidores internacionais interessados no portfólio de PCHs", diz Nelson Siffert, chefe do departamento de energia elétrica do BNDES, o principal parceiro do Proinfa. O mercado, ele acredita, deve se aquecer também fora do âmbito do Proinfa. O inventário de energia mostra que o Brasil tem potencial de gerar 17 mil MW com PCHs, e, até agora, só aproveitou 7%. "O Proinfa é importante, porque deu um start no setor", diz Siffert.

A movimentação no segmento de eólica, que está atraindo novos fabricantes de equipamentos, também sugere um aquecimento em breve. Dentro do Proinfa, a energia dos ventos teve como trava o fato de, até agora, existir apenas um fabricante de aerogeradores no País, a Wobben, e a exigência do programa de um alto índice de nacionalização dos equipamentos (60%). Em março, registra Laura Porto, caiu o imposto de importação de 14% sobre equipamentos de energia eólica, para dar estímulo ao segmento. "Estamos muito empenhados neste programa", diz ela.

O que parece ter atrasado o cronograma do Proinfa foi o tempo que se gastou com sua reengenharia. Os contratos com as empresas só foram finalizados em fevereiro de 2005, o que colocou por terra o prazo inicial de ter a geração de 3.300 MW no final de 2006. O prazo teve que ser esticado para o final de 2008. "Apesar do esforço do governo federal e da Eletrobrás, o Proinfa ainda não decolou", diz o professor Célio Bermann, do Instituto de Eletrotécnica da Universidade de São Paulo. "Por ora, os resultados são pífios."

Bermann é o coordenador de um trabalho realizado pelos seus alunos de mestrado e doutorado, e que faz um diagnóstico do Proinfa desde a sua criação. O estudo, publicado este mês, aponta os principais problemas enfrentados pelo Proinfa. Uma das críticas é que o financiamento dos projetos fazia muitas exigências de patrimônio para os empreendedores, "praticamente desconsiderando que as novas usinas têm garantia de compra de energia por 20 anos", diz Bermann. O BNDES fez ajustes à sua linha de financiamentos. "Concordo que no início tivemos problemas com o Proinfa", registra Siffert, do BNDES. "Mas muitos empreendedores não demonstraram capacidade de ter recursos próprios."

Siffert, hoje, é um dos entusiastas do programa. "Mas, agora, nunca se contratou tanta PCH em um prazo tão curto", diz ele, lembrando que há 39 projetos contratados com o banco, de PCH, neste momento. E, nos próximos dias, a diretoria do BNDES receberá a proposta de construção de outras 5 PCHs, cujo acionista é um fundo de investimento e participação que ele prefere não identificar.

O principal obstáculo, segundo o trabalho coordenado por Bermann é que as energias alternativas no Brasil, até agora, continuam sendo vistas como uma opção marginal. "O incentivo às fontes alternativas não deveria ser um programa a parte, mas uma prioridade em geração de energia elétrica", diz o estudo. "Para mim também foi surpreendente. Não esperava que o Proinfa estivesse gerando tão pouco."

O professor ficou conhecido ao publicar, há alguns anos, outro estudo onde defende a "repotenciação" de usinas hidrelétricas com mais de 20 anos de operação, o que, segundo ele, poderia aumentar a capacidade de geração hidrelétrica no país em cerca de 12% sem a necessidade de inundar novas áreas ou deslocar os moradores locais. Nas contas de Bermann há, hoje, 70 usinas no país que poderiam ser "repotenciadas".

O físico José Goldemberg faz coro ao colega. "O que existe, também, é a indústria da concessão", diz o ex-presidente da Cesp. "O pessoal pega a concessão e só depois vai atrás de conseguir o dinheiro." Quando alcançar a meta de 3.300 MW, o Proinfa responderá por cerca de 3% da matriz energética brasileira. "Este é um dos caminhos", prossegue Goldemberg. "Tem que destravar o que está aí."

O teste virá dia 18 de junho, data marcada para o leilão de energias alternativas. "O programa não tinha uma solução mágica. Fomos aprendendo", diz Laura Porto.