Título: Economia das mudanças climáticas
Autor: Stern, Nicholas
Fonte: Valor Econômico, 31/10/2006, Opinião, p. A17

No início do segundo semestre do ano passado, o ministro das Finanças britânico, Gordon Brown, pediu-me que analisasse os aspectos econômicos das mudanças climáticas com base em análise científica sólida e na mais recente literatura econômica.

A "Análise de Stern sobre a Economia das Mudanças Climáticas", apresentada ontem ao primeiro-ministro Tony Blair e ao ministro das Finanças, aceita as esmagadoras provas científicas de que a mudança climática é uma ameaça global - resultante das ações humanas - à sustentabilidade da vida na Terra. Mas nossas pesquisas indicam ser ainda possível evitar os piores riscos e impactos das mudanças climáticas a um custo razoável, se ações bem concebidas e coordenadas forem levadas urgentemente adiante.

O fluxo anual de dióxido de carbono e de outros gases que provocam o efeito estufa que aquece a atmosfera da Terra tem acelerado desde que o carvão, e, em seguida, o petróleo e o gás, começaram a fomentar a revolução industrial que proporcionou vidas melhores para as pessoas.

As bilhões de toneladas de dióxido de carbono e de outros gases-estufa que continuam se acumulando na frágil e protetora atmosfera terrestre já elevaram as concentrações para em torno de 430 partes por milhão (ppm) de dióxido de carbono (CO2e) equivalente, em comparação com 280 ppm antes da revolução industrial.

As atividades humanas estão despejando 45 bilhões de toneladas de gases-estufa (em CO2e) por ano na atmosfera - e a quantidade está aumentando. Os intrincados ecossistemas terrestres absorvem cerca de metade dessas emissões, mas o resto é retido na atmosfera, aumentando a cada ano o estoque acumulado de gases.

Nossas pesquisas sugerem que os esforços mundiais deveriam concentrar-se em limitar o nível final de gases-estufa na atmosfera para entre 450 ppm e 550 ppm. Isso é factível, economicamente viável e reduzirá consideravelmente o risco de mudanças extremas de temperatura. Isso exige que reduzamos até 2050 o fluxo anual de emissões a pelo menos 25% dos níveis atuais, e que continuemos as reduções até que as emissões cheguem a cair para um nível pelo menos 80% inferiores aos atuais, o que permitiria uma estabilização.

Os economistas descrevem as mudanças climáticas induzidas pela humanidade como uma "externalidade" e o clima como um "bem público". Os agentes que produzem os gases-estufa ao gerar eletricidade, operar fábricas, cortar florestas, voar em aviões ou dirigir automóveis nada têm de pagar pelos danos causados por suas emissões.

As análises identificam três elementos de política pública para uma reação mundial eficaz. A primeira é a atribuição de um preço ao carbono, por meio de impostos, de um comércio de direitos de emissão ou de regulamentação, para que as pessoas paguem o custo social de suas ações. A segunda é uma política de apoio a inovações e à implementação de tecnologias que produzam baixas emissões de carbono. A terceira é a eliminação de barreiras à eficiência energética e a adoção de medidas para informar, educar e convencer.

Políticas precisam também atacar as emissões não relacionadas com a geração ou consumo de energia, que são um terço do total mundial. Evitar mais desflorestamento precisa ser uma prioridade.

Uma sinalização clara e crível sobre as políticas para os médio e longo prazos ajudará a motivar os investimentos privados, que reduzirão as emissões. À medida que houver um fortalecimento da compreensão do problema, cada vez mais as pessoas exigirão uma reação robusta de seus governos. A discussão pública é, em si mesma, um ingrediente crucial de política.

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Nossa análise concluiu que ações eficazes para conter as emissões poderão manter o custo das medidas necessárias para em torno de 1% do PIB mundial/ano. O que é crucial é que a economia mundial continuará a crescer, ao passo que a transição para uma economia geradora de baixas emissões de carbono abrirá fascinantes oportunidades de negócios, ao aumentar a demanda por novos produtos e serviços financeiros no valor equivalente a centenas de bilhões de dólares por ano.

Em contraste, as evidências examinadas nesta analise confirma que continuarmos "como se nada estivesse acontecendo" não é uma opção. Tentativas de prosseguir no atual curso insustentável serão cada vez mais frustradas, à medida que o derretimento das calotas polares, temperaturas mais altas, furacões mais violentos, secas mais prolongadas, enchentes mais freqüentes e a elevação dos níveis dos oceanos passarem a cobrar um preço cada vez mais pesado em termos de bem-estar e de vidas. Ignorar o problema comprometerá nossos padrões de vida e terminará por prejudicar nosso crescimento econômico.

Mudanças climáticas inclementes criam o risco de aumentar as temperaturas mundiais médias em mais de 5º - o equivalente à diferença entre hoje e a mais recente Idade do Gelo. Isso levaria a humanidade a um território desconhecido. Quanto mais alta a temperatura média, maior o risco de mudanças ecológicas irreversíveis e de uma multiplicação de impactos destrutivos. Tais mudanças transformariam a geografia física do planeta, assim como sua geografia humana - como e onde vivemos nossas vidas.

Junto à redução das emissões, também precisamos incentivar adaptações ou ações para limitar os danos causados por mudanças climáticas já incorporados ao ecossistema pelas emissões passadas.

Em algum momento, o mundo esgotará os combustíveis derivados de hidrocarbonetos causadores do problema. Mas se continuarmos a usá-los "normalmente", o mundo resultará irrecuperavelmente afetado bem antes do esgotamento desses combustíveis. Por isso, o rápido desenvolvimento de tecnologias para captura e armazenamento de carbono é essencial para harmonizar o uso continuado de combustíveis fósseis, especialmente carvão.

A luta contra as mudanças climáticas também colocam importantes questões sobre equanimidade e colaboração internacional. Historicamente, a maior parte das emissões acumuladas foram geradas pelos pioneiros da revolução industrial - essencialmente, a Europa e os EUA. Mas a demanda de energia dessas regiões hoje está, em média, em crescimento relativamente lento. Os grandes emissores futuros são os países em desenvolvimento que possuem grandes populações e registram rápido crescimento, como a China e a Índia. É preciso canalizar fluxos financeiros do setor privado para investimentos em larga escala nesses países, para geração de energia com baixo teor de carbono.

O preço adicional que pagarão os países em desenvolvimento para se adaptar às mudança climáticas exige que os desenvolvidos honrem compromissos assumidos em Monterrey, em 2002, e reforçados na cúpula do G-8 em Gleneagles em 2005, de dobrar os fluxos de ajuda até 2010.

Apesar da dimensão dos desafios futuros, as conclusões da análise são fundamentalmente otimistas. Se agirmos já, e colaborarmos internacionalmente, poderemos reduzir enormemente os riscos a custos moderados. Mas se permanecermos inativos por mais apenas 10 ou 20 anos, os custos serão muito maiores, e os riscos também. Com ações fortes e urgentes, o trabalho conjunto de governos, empresas e cidadãos poderá salvaguardar nosso crescimento e prosperidade futuras. Não podemos desperdiçar a oportunidade. O futuro de nossos filhos depende do que decidirmos agora.

Sir Nicholas Stern é diretor do Serviço Econômico Governamental britânico e foi economista-chefe do Banco Mundial. O Stern Review pode ser obtido em www.sternreview.org.uk.