Título: Argentina não tem pressa para ajudar sócios menores
Autor: Góes, Francisco
Fonte: Valor Econômico, 17/01/2007, Especial, p. A14

O Brasil está enfrentando a resistência da Argentina para adotar no Mercosul medidas que facilitariam as exportações do Uruguai e do Paraguai para os mercados brasileiro e argentino. A redução do conteúdo nacional para bens do Uruguai e Paraguai vendidos dentro bloco e a eliminação do imposto de importação cobrado de produtos estrangeiros que entrem no Mercosul via sócios menores seriam duas das principais medidas a serem anunciadas na reunião de cúpula do Mercosul, amanhã e depois, no Rio.

Mas nos dois primeiros dias de reuniões técnicas, preparatórias para o encontro de ministros e presidentes, no Hotel Copacabana Palace, ficou claro que a Argentina está preocupada com a pressa do Brasil em anunciar as medidas. Os argentinos não são contrários à idéia, mas entendem que é preciso continuar a discutir o assunto.

"Nós valorizamos a iniciativa e entendemos que o Brasil quer implementá-la para resolver as dificuldades de Uruguai e Paraguai, mas há elementos nestas ações que nos preocupam e, inclusive, que podem estar em contradição com o objetivo do Mercosul de aumentar a integração produtiva entre seus membros", disse ontem ao Valor Alfredo Chiaradia, secretário de Relações Econômicas Internacionais do Ministério de Relações Exteriores da Argentina.

O receio da Argentina é que produtos importados de terceiros países sejam apenas montados no Uruguai e Paraguai e reexportados para os outros países do bloco sem pagar imposto. Um diplomata reconheceu que as medidas teriam um maior impacto na Argentina do que no Brasil. A proposta da Argentina é que os sócios continuem a trabalhar com base na decisão 34 do Mercosul, que prevê que os países que aspiram a ter tratamento mais favorável sugiram iniciativas para chegar a este objetivo.

"Estamos preparados para trabalhar neste modelo sem colocar em risco o objetivo supremo do Mercosul. Caso contrário, estaríamos hipotecando a construção futura do bloco", afirmou Chiaradia.

O objetivo do Brasil com as propostas que beneficiam Uruguai e Paraguai é reduzir a insatisfação desses sócios com os resultados do bloco. Na presidência pró-tempore do Brasil no Mercosul, que será repassada ao Paraguai na sexta, o país procurou reduzir os que os diplomatas chamam de "assimetrias" (desvantagens dos dois sócios menores na relação com Brasil e Argentina).

Uma das medidas propostas foi a flexibilização da regra de origem, medida que determina o percentual de conteúdo local que o produto precisa ter para ser considerado um bem do Mercosul e, portanto, não pagar impostos de importação ao entrar nos outros países do bloco. Os percentuais exigidos de Uruguai e Paraguai seriam reduzidos e, assim, os dois países poderiam aumentar o conteúdo importado dos produtos que vendem a Brasil e Argentina.

A outra decisão prevê o fim da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum (TEC) para produtos do Uruguai e Paraguai. A livre circulação de bens no comércio intra-zona está prevista para ocorrer só em 2009, mas o Brasil propõe que, no caso dos sócios menores, a redução passe a valer agora. Como o Valor antecipou, o Brasil estaria disposto a adotar o fim da dupla cobrança de forma unilateral para os sócios menores do Mercosul.

Ontem à tarde os negociadores ainda tentavam aproximar posições a tempo de aprovar as medidas ainda nesta reunião de cúpula, hipótese que parecia remota. Mas se nesses temas o acordo é difícil, há consenso entre os dois grandes do bloco para pôr em funcionamento, já a partir desta reunião de presidentes, o Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (Focem, na sigla em espanhol).

O Focem é a terceira medida do tripé que busca reduzir as "assimetrias" com os sócios pequenos (as outras são o fim da dupla cobrança da TEC e a flexibilização da regra de origem). O esforço é de aprovar nesta semana projetos que possam ser financiados pelo Focem, criado por uma decisão de 2004 que prevê aportes pelos países-sócios do Mercosul de US$ 100 milhões por ano durante dez anos. Entre os projetos há três apresentados pelo Paraguai e dois pelo Uruguai