Título: Acordo Uruguai-EUA seguirá regra do Mercosul
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 27/02/2007, Brasil, p. A3

A uma semana da visita do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, ao Uruguai, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu arrancar um compromisso do governo uruguaio com o Mercosul e reverter as constantes ameaças de assinatura de um Tratado de Livre Comércio (TLC) entre Uruguai e EUA. Em contrapartida, o Uruguai conseguiu que o governo brasileiro se comprometesse publicamente com a eliminação das travas burocráticas que impedem a chegada de produtos uruguaios no mercado brasileiro e que levaram o país a acumular, nos três últimos anos, déficit no comércio com o Brasil.

Lula esteve ontem reunido com o presidente Tabaré Vazquez na Estância Anchorena, residência de campo da presidência uruguaia, a 30 quilômetros do centro da cidade histórica de Colônia do Sacramento (na fronteira com a Argentina).

Após a reunião houve uma mudança no tom do discurso uruguaio. E a frase mais clara nesse sentido veio do Ministro da Economia, Danilo Astori. Quando questionado sobre a intenção de prosseguir na negociação com os Estados Unidos, Astori respondeu: "Temos que seguir explorando essa possibilidade (de acordo com os Estados Unidos), mas temos que fazer o que for compatível com as regras do Mercosul".

O motivo da viagem de Lula era, principalmente, convencer o Uruguai a desistir do tratado de livre comércio com os Estados Unidos o que, se acontecesse, inviabilizaria a participação do país no bloco. As regras do Mercosul impedem que qualquer um dos membros faça, individualmente, acordos de livre comércio com outros países. A única possibilidade é a negociação de acordos em bloco - por exemplo, se o Mercosul fizesse um tratado com os Estados Unidos.

O próprio Astori (que pertence à ala mais à direita da Frente Ampla de partidos políticos que apóia Vazquez) vinha sendo o principal defensor de um tratado de livre comércio com os EUA. E mesmo algumas horas antes da reunião de ontem, ao falar com os jornalistas uruguaios em Anchorena, Astori reafirmava a necessidade de que os sócios menores do Mercosul (Uruguai e Paraguai) tivessem um tratamento diferenciado na regulamentação, que lhes permitisse abrir mercados para seus produtos em outros países.

Sobre a inflexível posição do Brasil e da Argentina, de que um tratado de livre comércio fere o "coração" do Mercosul - a Tarifa Externa Comum (TEC) - ao permitir a entrada livre de produtos de fora do bloco, Astori chegou a fazer uma comparação com a Zona Franca de Manaus, que, segundo ele, também permite a entrada de produtos externos ao bloco em condições mais favoráveis (com incentivos fiscais).

Lula reconheceu as reclamações do vizinho e voltou a falar na responsabilidade na correção dos rumos do Mercosul. "O Brasil tem que assumir sua responsabilidade de maior economia do Mercosul, e portanto, sem fazer nenhum favor, tem que criar as condições para que o comércio seja o mais equilibrado possível e para que o desenvolvimento também seja o mais equilibrado possível".

Lula alegou que as barreiras não foram criadas pelo seu governo e prometeu solucionar os problemas em seu segundo mandato. "No âmbito da política internacional, o primeiro mandato é um aprendizado, em que a gente descobre que muitas vezes não bastam os discursos, não basta vontade política, é preciso um destravamento das normas que a burocracia histórica de cada país criou no tempo em que não tínhamos um mundo globalizado e aberto como temos hoje", afirmou Lula. E completou: "Na prática, as coisas acontecem de forma muito mais demorada".

O reconhecimento das queixas do Uruguai sobre a assimetria das relações comerciais foi formalizado em um memorando para a promoção do comércio e investimento entre os dois países. Neste documento, o Brasil se compromete a favorecer o aumento das compras de produtos uruguaios no âmbito do Programa Brasileiro de Substituição Competitiva de Importações, promover investimentos no país vizinho e estimular o investimento privado. "Precisamos fazer com que nossos empresários também compreendam que eles precisam fazer parcerias, sobretudo naqueles setores em que nós precisamos dinamizar nosso conhecimento tecnológico", disse o presidente Lula.

Além disso, o Brasil se comprometeu a "criar mecanismos" para encontrar "soluções rápidas" para a desobstrução de barreiras no controle aduaneiro, sanitário e técnico. Segundo o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, a intenção é atacar em várias áreas. "A idéia de remover as travas é muito presente. Estamos melhorando o trabalho na fronteira, dos institutos de metrologia e de saúde pública, eliminando as dificuldades artificiais".

Amorim disse que, como resultado da discussão de ontem entre os dois governos, o Brasil quer passar a tratar mais de questões práticas. "O Mercosul sempre se tratou de cima para baixo", afirmou o ministro, referindo-se a decisões tomadas em reuniões de cúpula. "Temos que olhar o Mercosul de baixo para cima", concluiu.

O presidente Tabaré Vazquez disse que encontrou em Lula a "compreensão e o entendimento" sobre a necessidade de ajustes no processo de integração. "Conseguimos um feito histórico que produz uma profunda inflexão no relacionamento entre os dois países", disse Vazquez.

Os presidentes e os ministros também assinaram um memorando para o estabelecimento de uma comissão mista permanente em matéria energética e de mineração, um protocolo de intenções sobre um programa de cooperação na área de biocombustíveis e um acordo para a reforma de uma ponte e a construção de uma segunda passagem sobre o Rio Jaguarão, que separa as cidades de Jaguarão, no Brasil, e Rio Branco, no Uruguai.